O encontro de Deus com dois diabos (III)

Olhando, então, para aquela figura petulante aos seus pés, Deus deu uma leve soprada que jogou a peruca loura pra longe, e ele ficou sem o topete efetivamente. A petulância desapareceu e Deus foi incisivo:

– Você não reencarnará, Donald John Trump… você terá uma longa caminhada pela frente até que sua alma se livre de todo a putrefação que tem hoje, se é que isto será possível. Para isto, você caminhará ao lado de várias outras almas, menos podres que a sua, já que é difícil encontrá-las no mesmo nível da sua. E haverá um tempo, muito distante, que você perceberá que suas companhias já não estarão a seu lado, mas você continuará sua jornada, uma alma solitária que nunca estará de volta…

– Posso fazer um último pedido, Senhor? Aí fora tem uma alma gêmea… Mande-a caminhar comigo, Senhor… Minha purificação, para glória do Senhor, seria mais rápida se eu tivesse um sabujo aplaudindo cada uma das minhas conquistas para alcançar este objetivo.

Deus fez um gesto e dois anjos negros pegaram Donald John e desapareceram com ele. Relaxou, então, mas pensou: Calma, Jeová, sossegue… Mais outra alma podre, então? Hoje vai ser um daqueles dias… e gritou:  – Próxima!

– Jair Messias Bolsonaro entrou no salão, cabisbaixo, o corpo um pouco encurvado, apesar do físico de atleta. Sentiu a pressão nas costas e se aproximou do trono divino. Não tentou subir os degraus, ajoelhando-se no primeiro deles, levantando as mãos em oração, mas baixando ainda mais a cabeça. Queria gritar Aleluia! Glória ao Senhor nas Alturas!, mas ficou com medo de Deus não gostar.

Deus deu uma risadinha e pensou: Puxa saco, então… não é que é mesmo? E ainda por cima tem Messias no nome… já nasceu puxando! E ecoou:   – Quem é você, Jair Messias Bolsonaro?

– O Mito… Não, perdão, Senhor… Eu fui o Mito. Agora, continuo sendo o que sempre fui, um servo do Senhor!                 – Pelo amor de Mim mesmo… isto é demais! Será que o Donald John vai gostar de um puxa saco de Deus andando o tempo todo ao lado dele? Ou será que ele volta a puxar o saco dele quando estiver andando ao lado dele? Vai ser interessante observar isto…

– Well… – como eu disse, Deus sabe ser irônico – além de meu servo, você é o que? O ex Mito aprumou-se um pouco e olhando meio enviesado pra cima, ciciou:

– Eu fui a vida toda um humilde servo do povo brasileiro, Senhor. Muito jovem ainda, vivendo num vale muito pobre do Estado mais rico do meu país, eu ajudei o glorioso Exército do Brasil a perseguir um pagão comunista que queria destruir os mais sagrados princípios cristãos da minha Pátria. Fiz um trabalho tão bom, que fui convidado para ingressar nas fileiras do Exército, ao qual servi com honra e orgulho até chegar ao posto de capitão…”

– Epa! Epa! Não é o que me consta não… Ao que fui informado, você tentou sublevar quartéis, explodir um Reservatório d’água que poderia matar muita gente, foi até preso por isto, e só não foi expulso porque os generais acharam que isto poderia causar problemas com o médio oficialato…

– Isto é potoca da Imprensa, talkey? Ela me perseguiu a vida inteira! Porque eu não me vendo nem me rendo… E eu falo o que penso! E o que eu penso é sempre no melhor para o meu povo, para a minha Pátria e para o meu Deus… o Senhor, talkey?

– Mil perdões, Mito – Deus sabe ser cínico – mas não acredito em porra nenhuma do que você falou – e sabe dizer palavrões, também – talkey? Você sempre foi tudo aquilo que meu Reino sempre combateu, tudo aquilo de pior que existe no ser humano, o ódio, o desprezo pelos outros, a inveja, o racismo, a misoginia, a homofobia, a amoralidade, a torpeza de caráter… À medida que Deus adjetivava sua personalidade, a alma de Jair Messias Bolsonaro ia se desmanchando no chão, até se transformar em uma massa gelatinosa que começou a escorrer para um invisível e impensável ralo do salão…

Deus, então, mostrou sua magnanimidade: deu um leve sopro na geleia, que retomou à forma da alma de Jair Messias Bolsonaro.

– Você não me engana não, Mito… Você já esteve por aqui uma vez e nem passou por mim, foi direto pro meu subsolo. Tenho certeza que foi meu filho que retirou-o do bosteiro e reencarnou-o. Presumo que ele não gostou de vê-lo aqui feito bosta… queria que seu próprio povo desse um jeito em você. Mas ele não deu, não é? Então, vou dar-lhes mais uma oportunidade: vou reencarná-lo outra vez, talkey?

– Eu não mereço tanta consideração, Vossa Magnificência… Voltar para meu Palácio e poder conduzir novamente meu povo, em nome da Pátria e de Deus, nosso Senhor, é tudo que este humilde servo mais anseia. Deus deu uma risadinha sacana, levantou-se do trono de nuvens e deu um tabefe na alma de Jair Messias Bolsonaro, que desapareceu de sua frente.

Ele acordou com o jorro de água jogado em sua cara. Tentou mover os braços… as pernas… mas não deu. Percebeu então que estava com braços e pernas amarrados num pau de arara. Tentou gritar, mas cuspiu sangue em vez disso. Entreabriu os olhos inchados e deu de cara com a cara do Major Tibiriçá. Tentou sorrir pra ele e levou um murro no nariz. Quase desmaiando, ouviu seu herói murmurando para alguém que ele não conseguia ver: “Traz a pimentinha e enfia o fio no rabo deste comunista… Vamos ver se ele aguenta?” (fim)

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