Do jeito que o diabo quer (VII/X)

Capítulo 7 – Do Festim Diabólico à Orgia Orgásmica

– Não agora! Agora eu só quero apressá-la, por causa da pandemia que já está mandando milhões de almas inesperadas para o Além. Há muito tempo que eu penso nisto, mas o dia-a-dia consome você e uma boa ideia custa a ser posta em prática. Aí, eu li a sua descrição do Céu e sua conversa com seu amigo. E falei pra mim mesmo: É isso aí… Eu preciso de um cara ético, mas infinitamente curioso para desprezar certas restrições da Ética, e que saiba escrever, para conhecer meu lado do Além e descrevê-lo com realismo e sem preconceito. E aí, pra minha satisfação, você foi parar numa mesa de operação. Eu não perco oportunidades, cara.

– Tudo bem, mas não posso descrever algo que não vi completamente. Ou eu faço isto ou não tenho o que escrever quando e se voltar pro meu próprio inferno …

– Você vai ter que acreditar em mim em relação aos 06 Círculos que eu te descrevi aqui, mas vai conhecer o 9º Círculo… E aí é que você descobrirá os verdadeiros sentido e objetivo  do Inferno.

– Você já disse que este objetivo é punir as almas desgarradas por toda a eternidade…

– Não… eu disse que as almas que vêm pra cá purgam seus pecados até serem encaixadas em seu Nicho eterno. Aí deixam de significar alguma coisa. Nem todas purgam, porém… E são estas que tornam essencial o Inferno e o meu Inferno e a sua Terra se completam. Mas, você vai ver e entender por si próprio. Acho que seria conveniente que descansasse um pouco, você tem que estar muito lúcido para o 9° Círculo.

Sem sentir, fiquei sozinho noutra sala iluminada apenas por uma lareira. Meu copo de uísque continuava na mão, mas a garrafa tinha desaparecido. Dei uma golada final no uísque, à la cowboy americano, ajeitei as almofadas e deitei no sofá. Sonhei com a última viagem que fiz, logo depois de saber do possível carcinoma e da inevitabilidade da operação a que teria que ser submetido. Com filhas e netos, batendo pernas em um imenso shopping americano, entrando e saindo de lojas à procura de presentes pras netas que não estavam presentes. Foi a primeira vez, nos últimos anos, que me senti feliz. E, se a visita ao Inferno fosse definitiva, seria a última, mas eu não me importaria.

Acordei no que me pareceu um camarote do Sambódromo, sem mulheres seminuas, sem artistas da Globo ou políticos do momento e sem propaganda da Brahma. Depois de xeretar pelo camarote vazio, me sentei numa poltrona de frente pra passarela e apurei o ouvido: não havia qualquer som. O tilintar de gelo num copo me fez virar de lado e ver meu anfitrião, acompanhado de um garçom, trazendo uma bandeja com um balde de gelo, uma garrafa de água mineral e outra de uísque. Quando chegou perto, vi que era Bells, meu velho companheiro de boa parte da vida…

– Este aí não dá pra beber sem água e gelo, cara. Sei que você está acostumado, mas não exagere, que o espetáculo é longo.

– O que exatamente é isto aqui?

– Hoje é a Orgia Orgásmica, o encerramento do Festim Diabólico e o coroamento das almas rebeladas que foram treinadas nos Coliseus…

– Como é que é? Orgia? Festim? Coliseus?

– Orgia e Festim você sabe o que são… E Coliseus são exatamente o que foi o Coliseu romano: um grande anfiteatro pra apresentação de espetáculos. No nosso caso aqui, são 10 ginásios onde treinamos e transformamos as almas rebeladas nos Mensageiros de Lúcifer, meus padres e pastores entre os seres humanos. Uma semana por ano, o Inferno reúne seus mensageiros espalhados pela Terra e promove um concurso para escolher, dos 10, os 03 Coliseus que melhor se saíram em suas atividades humanas. E coroar um deles para reinar na Terra por um ano.

– Atividades humanas?

– Calma, cara, você vai assistir agora e entender. Estas 03 fazem, na Orgia Orgásmica, hoje, uma apresentação aberta para as almas que “vivem” nas Dependências, que, democraticamente, elegem a campeã do ano. A equipe vencedora ganha, além de reinar na Terra,  o direito de passar 03 dias em lugar paradisíaco da Terra, comendo, bebendo e transando como se seres humanos fossem, e o comandante da equipe passa 03 dias na minha mansão, fazendo o que de melhor se faz com o que de melhor se tem no  Inferno: comer, beber e transar.  Não… Não adianta olhar em volta, você não vai ver e nem vai ouvir a algazarra feita pelas almas. Lembre-se que você ainda não é uma alma! Você vai ver e ouvir apenas o desfile final.

Era a terceira ou quarta vez que ele dizia aquele ‘ainda’, o que me incomodou, mas dei uma golada no uísque e disse: – Volte a fita um pouco. Notei um certo orgulho ao se referir a Mensageiros de Lúcifer, seus padres e pastores entre os seres humanos. Eu já conheço muita gente diabólica, padres e pastores inclusos, na Terra, mas nunca vi estes seus representantes. Eles usam uniformes, batinas, cheiram a enxofre ou carregam réstias de alho no pescoço…?

Ele me olhou com as sobrancelhas espetadas e eriçadas e, pela primeira vez, me pareceu ver o diabo, mesmo sem chifres ou rabo, olhou pra garrafa de uísque, fez menção de se servir, mas levantou a mão e o garçom lhe trouxe uma dose de uísque puro, provavelmente com muitos anos de armazenamento em tonel de carvalho.

– Você já viu sim… e muitos, pode até ter convivido com algum e nunca ter sabido que era. Meus representantes são as almas verdadeiramente infernais, que são treinadas e voltam a conviver com os seres humanos, assumindo a forma e a personalidade daqueles para os quais eu tenho grandes planos. Mas é melhor você assistir as apresentações… depois eu explico o que você não entender. (continua segunda-feira)

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