Do jeito que o diabo quer (V/X)

Capítulo 5 – Uisque envelhecido é um bom conselheiro

Imagina, pensei, logo quem está falando em arrogância… E caminhei para um dos lados da sala, em busca de uma saída. Desta vez, não havia porta, mas a entrada de um túnel, onde entrei e me perdi num jardim-labirinto feito de flores roxas. E me apavorei. Lembrei de uma viagem pelo sul do país, quando fomos visitar Nova Petrópolis e eu caí na besteira de imitar os jovens do grupo, entrando no labirinto do centro da cidade.

Era um pequeno labirinto desafiando o turista a encontrar seu centro e, depois, sair. Em 05 minutos eu estava completamente perdido no meio daquelas paredes verdes. Mais 05 minutos e estava mais perdido ainda. Acabei sentando no chão a esperar alguém aparecer pra me tirar do sufoco. Felizmente, apareceu. Agora, o labirinto era escuro e eu não tinha a menor ideia para onde ia, se seguia, se voltava… só sabia que não podia ficar parado pois, certamente, não ia aparecer ninguém pra me mostrar o caminho. Rodei, rodei, rodei, topando com monstros visíveis ou imaginários, não achei o final nem a saída e acabei encontrando um círculo no chão. Com um escorregador. Sentei e me deixei escorregar.

Bundeei num sofá razoavelmente macio: era uma espécie de sala de visitas, com outro grande sofá  escantilhado dando de frente para um barzinho de madeira trabalhada com uma adega bem fornida. Em frente ao “meu” sofá, uma mesinha de centro, com uma garrafa de uísque e um copo já servido de uma dose caprichada. Procurei naturalmente o gelo e a voz melíflua se ouviu de algum lugar:

– Se botar gelo ou água gasosa neste uísque, eu expulso você daqui…

Logo vi o dono da voz, com seu bigodinho fino e cavanhaque mais fino ainda, agora vestido num rôbe de chambre aveludado vermelho arroxeado, balançando suavemente um copo de uísque puro na mão.

– Este uísque é um puro malte escocês de 70 anos, o Mortlach, pertencente à 4ª geração da família Urquhart… Misturá-lo com qualquer destas porcarias modernas é uma afronta até mesmo ao seu amigo lá de cima.

– Não farei isto, prometo. Desde que você me explique o que estou fazendo aqui. Isto aqui, com certeza, não é um dos seus Círculos. E, me parece, eu só reencontraria você no final do rolé…

-Decidi apressar o passo: você tem algumas limitações óbvias como repórter e lá no inferninho que você vive estão acontecendo umas coisas que vão encher meu Inferno de almas já apodrecidas, que só servem pra entupir os esgotos e os lixões, aumentando a fedentina e exigindo promover o fogaréu aos níveis do incêndio amazônico, o que apavora ainda mais os humanos. E pode ter certeza que o lá de cima concorda comigo: Vestíbulo e Purgatório vão ficar irrespiráveis e insuportáveis…

– Por partes, por favor. 1º – O uísque é livre?

– Claro! Eu sou um bom anfitrião. Esta garrafa aí faz parte de uma partida enviada pro Al Capone exatamente quando ele foi preso pela Receita americana. Me presentearam com uma caixa pra livrá-lo da prisão. Aceitei e cumpri, mas ele morreu de sífilis sem reassumir o poder, infelizmente.

-2º – Que limitações eu tenho?

– Você levou muito a sério aquela premissa de um professor de seu Curso, que dizia que a ética é essencial no Jornalismo. Você nunca se perguntou se existe uma real verdade no mundo real e se esta verdade é única pra se definir o que é ético ou não. Vou te dar um exemplo simples: seu pai, que rodou o Brasil cuidando de leprosos numa época em que a lepra despertava o mesmo horror que a AIDS despertou há 20 anos atrás, foi um santo pra muitas famílias que tinham pais, filhos, parentes internados num leprosário… Mas ele nunca foi um santo pra você, pois você convivia com ele e o via apenas como o pai repressor que não lhe dava a liberdade de fazer o que você queria… ! Onde está a verdade?

– Boa pergunta… Você quer dizer a Verdade ou a minha verdade? A Verdade é sempre relativa. E costuma ser entendida apenas nos livros dos historiadores, anos depois dos fatos acontecidos. E dependendo da qualidade ética do historiador. Já no plano pessoal, se eu  respeito a opinião do outro, seja meu pai, seja minha filha, seja meu adversário, a minha verdade é ética. E é, exatamente por tentar ser absolutamente ético que eu vou descrever o seu Inferno como ele é de fato, na medida em que eu acreditar que estou vivendo o Inferno real e não uma fantasia hollywoodiana… (continua terça-feira)

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