Do jeito que o diabo quer (II/X)

Capítulo 2 – O fogo é um marketing eficaz

– E você acreditou?

– Na verdade, não! Mas, desde então, sempre tive vontade de conhecer o Inferno. Meu pai foi um rato de biblioteca a vida inteira e transformou o quarto de empregada lá de casa numa biblioteca pessoal. Foi lá que eu vivi boa parte da minha juventude e foi lá que eu li A Divina Comédia, de Dante e, confesso, o que mais me marcou foi O Inferno…

– Aquilo é tudo mentira! Um monte de asneiras inventadas por um cara que tinha raiva de todo mundo, e como não tinha coragem de enfrenta-los, botou-os pra cozinharem em óleo fervente ou mergulhados em bosta ou pra assarem em fogo eterno. Quase ninguém mais lê Dante, quase ninguém mais sabe quem é Fausto ou Dorian Gray, mas a imagem de horror permanece porque Deus soube povoar a Terra de padres, pastores, frades e freiras… e eu não!

– E precisava? Você não está em toda parte? E sempre pronto pra dar o bote…  Pelo menos é isto que os pastores dizem.

-Nós estamos nos distanciando do objetivo. Terei imenso prazer em discutir tudo isto com você tomando uísque num final de tarde, mas só depois que você for conhecer o verdadeiro Inferno. E você tem que decidir logo porque o anestesista já está se paramentando pra te encontrar…

– Está bem. Eu topo, mas sem quaisquer condicionantes. Gostando ou não do que eu ver,  posso ou não escrever o que vi e só o que vi…

– Você vai gostar… Eu garanto.

Houve um repentino apagar de luzes, uma escuridão absoluta, um rufar de tambores e ao longe, bem longe, apareceu a luz bruxuleante de uma vela, na direção da qual em fui caminhando, empurrado suavemente por uma mão invisível nas minhas costas. À medida que andava, a vela crescia e, quando cheguei, era uma grande língua de fogo ocupando todo o espaço à minha frente, uma imagem, aliás, que sempre configurou o Inferno.

– Uai, quer dizer que o Inferno é efetivamente um local de fogo onde as almas são queimadas antes de seguirem pro seu castigo definitivo? Só não estou vendo os diabinhos com seus tridentes e nem as almas que deveriam estar sendo espetadas… A voz melíflua soou atrás de mim:

– O fogo é um bom chamariz, sabia? Os humanos, enquanto humanos, preferem o fogo à água. O fogo representa um perigo visível, palpável, mas que pode ser enfrentado, se se tiver coragem para tanto. Já a água não: ela está ali, engarrafada ou livre e você não sobrevive sem a primeira e pode ser engolido pela segunda. Mas isto aqui é só uma apresentação para manter a mística. Ande para a direita e você vai pegar o elevador. Aperte PC…

– Partido Comunista?

– Não. Pavilhão Central. De lá, você escolhe seus passos. Bom passeio. Nos vemos mais tarde…

O Pavilhão Central era apenas um imenso salão oval totalmente branco, o piso, as paredes e o teto. Chegava a ofuscar. Do lado oposto ao elevador por onde cheguei, distante, percebi uma pequena fila em frente a uma mesa. Minha vista deficiente só me permitiu ver a senhora gorda e loura que se sentava à mesa e manipulava um computador quando cheguei bem perto, provocando murmúrios na fila.

– Seja bem vindo, caro repórter – ela se levantou enquanto fazia um olhar ameaçador para a fila – o Chefe avisou que o senhor passaria por aqui e me pediu para lhe dar as coordenadas gerais do nosso espaço e as opções que o senhor terá a partir daqui. A escolha é sua, e espero que faça-a conscientemente, e saiba que no fim da jornada não haverá uma vovozinha… (continua segunda-feira)

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