Deus e o diabo no céu da terra (I/V)

1. Deus sabe o que faz

         Deu-se que um meteoro de bom tamanho, sem que nem porque, surgiu no céu e vinha que vinha à toda em direção à Terra. Como nos filmes de ficção, cientistas, astrônomos e até um astrólogo, indicado pelo Brasil, passaram a se comunicar desesperadamente em busca de uma solução para evitar uma catástrofe de proporções avassaladoras para a humanidade. Um fã de Hollywood sugeriu que americanos e russos mirassem seus mísseis balísticos contra o meteoro e os disparassem a um só tempo.

Não aceitaram: os russos ficaram com medo que os americanos desviassem uns dez ou doze para Moscou… e os americanos ficaram com medo que os russos desviassem uns dois ou três (a Rússia é mais pobrinha) para Washington. Acabaram concordando que Israel e Índia disparassem  os misseis (Israel desviou dois para o Irã e a Índia um para o Paquistão e ambos desapareceram), e a operação quase deu certo: 70% do meteoro foi destroçado, e os outros 30% vinham se desfazendo ao longo de sua trajetória.

Só que, pelos cálculos probabilísticos bem precisos feitos pela NASA, poderia ser que nem todo ele se dissolvesse até penetrar a atmosfera da Terra mas, se sobrasse algum pedaço com poder destrutivo, a trajetória estimada, agora, tinha um destino bem definido, o coração do Brasil… Recalcularam e analisaram todas as perspectivas e viram que o possível ponto de encontro era o Planalto Central. Como não havia possibilidade de destruição da Amazônia, o Brasil que se virasse, pois! Ou, como disse o Trump ao seu fã: “Fuck you, Djeir!”

O Brasil não se virou. Congresso, Judiciário e Executivo em recesso não tinham olhos para o mundo, quando muito para as fake news das redes sociais apenas. E, como o ‘crême de la crême’ da sociedade bem posta não estava em Brasília mesmo, permaneceu curtindo sua prainha esperta. E o povo, já em ritmo de Carnaval, só os tinha (os olhos) para bundas, peitos e a cerveja bem gelada dos pré-carnavais.

Mas, quando o bispo Edir Macedo, do alto de seu apartamento de R$35 milhões em Miami mandou seus pastores criarem um gigantesco retiro espiritual em tempo recorde, ordenando a todos os fiéis de Brasília que Deus exigia a presença de todos – de avião, de carro, de ônibus, de moto, de bicicleta ou a pé mesmo – num templo rival, o Ginásio Arena Sara Nossa Terra de Goiânia, um general p..o* de raiva por estar de plantão em Brasília resolveu dar o troco e deu com a língua nos dentes: “Um meteorinho vai cair bem no meio do Paranoá!”

Foi um Deus nos acuda! Em voz cava e ribombante, digna dos editoriais escritos pelo falecido companheiro jornalista Roberto Marinho, mas aparentando calma e confiança (e com um ligeiro sorriso de satisfação), William Bonner informou aos telespectadores que parte do meteoro continuava se dirigindo à Terra e, caso não explodisse ao penetrar a atmosfera, o pedaço restante deveria cair no lago de Brasília. Dependendo do tamanho, isto poderia causar estragos menores ou maiores, não se tinha certeza ainda. Mas, era imperdoável que nenhuma autoridade brasileira, Executivo, Legislativo, Judiciário, Forças Armadas, estivesse em Brasília para comandar e organizar as ações que se faziam necessárias e urgentes antes e depois da queda do meteorinho…!

Autoridades em geral e detentores da renda per capita mais alta do Brasil perceberam o recado global, as primeiras retornando imediatamente pra Brasília por receio de manifestações do povo nos aprazíveis locais em que feriavam, e os segundos entupindo aeroporto, rodoviária e estradas já entupidas de evangélicos e neo-pentecostais a caminho de Goiânia. O caos era inevitável e as Forças Armadas, sob o comando de um experiente general que comandara as Forças de Paz da ONU no Haiti,  tiveram que intervir. 286 pessoas morreram, de tiro, porrada ou pisoteadas, mas a ordem foi re-estabelecida.

Em reuniões nervosas e estafantes no Forte Apache (que era mais longe do Paranoá que o Palácio do Planalto), presidente, ministros, generais e congressistas, tendo um mapa tridimensional gigante de Brasília ocupando uma parede da Sala de Guerra e dezenas de monitores de tevê e comunicadores de 5ª geração, além de alfinetes colorios e réguas T, traçaram planos estratégicos para o antes e o depois da queda do meteoro (“Meteorinho é a p..a* que o pariu! – disse um general tentando, sem conseguir, se levantar de sua cadeira de rodas – Nós temos que valorizar isto, meus camaradas… Desde a derrubada da ditadura comuno-castrista em 1964, nós não enfrentamos um verdadeiro desafio. Verus tempus est!”).

A estratégia quase deu certo. Todo o Plano Piloto, exceto o Forte Apache, quartel general dos heroicos comandantes da “Batalha do Meteoro Assassino”, como foi denominada pela grande imprensa mais tarde, foi esvaziado. Algumas cidades satélites também mas, principalmente pelas caravanas de fiéis que rumaram para Goiânia. E asas, esplanadas, superquadras, gramados quase desertos e silentes aguardaram vôo e aterrisagem do grande meteoro, mandado por Deus, segundo um pastor que fretara 20 ônibus para transporte dos fiéis, a R$50,00 por cabeça, ou um grandissíssimo fédap..a*, que atrapalhou minhas férias, segundo o presidente.

Quase deu certo, eu disse… O único erro foi a trajetória: o fédap..a* caiu exatamente no Forte Apache, matando o presidente, o vice – que não deveriam estar no mesmo lugar, como ensinam os filmes americanos – 12 senadores, 53 deputados federais, 02 ministros do STF, 108 militares, entre generais, oficiais e ajudantes de ordens, 27 tecno-burocratas do alto escalão e um dos filhos do presidente, que disse que não ia largar do paipai de jeito nenhum, além de garçons, serventes, cozinheiras e motoristas à disposição das autoridades. (continua amanhã)

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *