Feminicídio (III)

– Mais um… como eu disse!

– Não é não, garoto! Glória não traiu Jorjão, nem em pensamento… Nunca o faria!

– Cuméquié?

– No penúltimo retorno pra casa, Jorjão, como sempre fazia, se encontrava com os amigos no bar da Jandira(*), lá perto. Conversa vai, cerveja cai… alguém ciciou pra ele: abra o olho com o Tomazinho(*)! Depois do acidente de carro que matou sua mulher, ele voltou a morar aqui, na antiga casa da mãe. Como ficou com uma perna troncha do acidente, anda rondando a vizinhança se amparando num guarda-chuva e dando uma de coitadinho… E comendo a mulherada…!

– Tomazinho tinha sido o garotão da turma de Glória na juventude: ‘bad boy’, dava em cima de todas as meninas e Glória tinha uma queda por ele quando Jorjão apareceu na história. Os demais amigos e a própria Jandira balançaram a cabeça afirmativamente, botando a pulga atrás da orelha de Jorjão (observação minha: naquela época, não havia facebook ou whats’app para provar alguma coisa… só os vizinhos e amigos pra lançar caraminholas!). Jorjão não falou nada com Glória, mas quando foi pra estrada, disse que a viagem era mais longa, ele ia demorar uns 20 dias pra voltar… E voltou com 10 dias!

– Pra dar um flagrante…!

– Deixou o caminhão na garagem da empresa e veio de ônibus pra casa. Entrou silenciosamente e viu um guarda-chuva pendurado no espaldar de uma cadeira. Pegou-o. O cheiro de torresmo indicava que Glória estava na cozinha fazendo o jantar… Pra quem? Entrou de sopetão na cozinha, guarda-chuva em punho, Glória se assustou, ele achou que era culpa e desceu o guarda-chuva na filha da puta! Ela gritava desesperada e ele estava enfiando o guarda-chuva na barriga dela quando o filho e a nora chegaram correndo e tentaram segurá-lo… Foi tarde!

– Pelamor de Deus, Carvalhosa… você, uma p..a* velha do jornalismo policial, está querendo me convencer que assassinato em defesa da honra é perdoável?

– O advogado do Jorjão vai dar a entender pro Júri, se ele chegar lá, exatamente isto.

– Se ele chegar lá?

– Eu tenho certeza que ele morre antes… O guarda-chuva era do filho dele, que tinha ido com a mulher à casa da mãe pra jantar e estava no quarto ajudando uma irmã num problema qualquer de escola (a nora era professora). Enquanto espera julgamento numa prisão, tenho certeza que Jorjão vai entrar em todo tipo de confusão que houver até ser morto… ele não consegue viver sem Glória, nem conviver com a culpa!

23- E porque você não vai contar isto quando escreve as notícias do ‘crime do guarda-chuva?

– Porque, se Jorjão sobreviver a si próprio, é esta a defesa que seu advogado vai usar… E eu não quero influenciar os jurados antes do julgamento acontecer!

– Para salvá-lo, um assassino?

– Entenda uma coisa, foquinha: jornalistas não são juízes de ninguém! Nós relatamos uma história, nós descrevemos a vida como ela é… E a vida não é um feijão com arroz, em que você bota um ovo frito em cima e acha que está comendo caviar! Independentemente de ser condenado ou não, se chegar ao Júri, Jorjão está morto, tanto quanto Glória. E seus amigos continuarão frequentando o bar da Jandira e fofocando…

– Aprenda outra coisa simples, se você permanecer no Jornalismo, foquinha: o mundo se move pelos homens que têm dinheiro, mas os homens, tendo dinheiro ou não, se movem apenas por amor e ódio. Ninguém gosta de te ver feliz com sua mulher, se ele está infeliz com a mulher dele… A natureza humana é podre!

Eu acho que não aprendi a lição!

Jorjão foi morto na prisão, como Carvalhosa previra, antes de ser julgado: entrou numa briga e foi furado várias vezes com uma colher… Carvalhosa e Ivone já morreram e não deixaram descendentes, a não ser nós, seus “foquinhas”, que continuam acreditando que dizer a verdade é a principal  função de um jornalista. Mas, reconheço, estamos perdendo a batalha!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *