Feminicídio (I)

Feminicídio, uma palavra nova, que não existia quando eu comecei minha vida no Jornalismo, dando uma de repórter, já lá se vão mais de 50 anos. Morte matada era homicídio, latrocínio ou assassinato, simplesmente, não importando se a vítima fosse mulher, homem, criança, pai, mãe, esposa, irmão ou um sujeito qualquer que estava no lugar errado na hora errada.

Naquela época, quem ia estagiar em um órgão de Imprensa, começava sempre pela Polícia. Era uma espécie de prova de fogo: conhecer o sub-mundo e descobrir as razões e os porquês de bandidos que tinham desprezo pela vida, deles e dos outros, e compactuar ou, pelo menos, entender e não criticar as atitudes dos policiais que os enfrentavam e que, na maioria das vezes, usavam os argumentos que ajudaram o Mito a ser eleito agora, em nome de uma sociedade cristã e temente a Deus: ‘Bandido bom é bandido morto!’ Ou, pelo menos, bem sovado…

Eu já escrevi aqui que nunca fui um bom repórter. Mas sempre tentei ser um bom profissional. E se tinha que ser repórter para virar escritor algum dia, eu ia ser repórter… Sorte minha que logo perceberam que eu seria muito mais útil numa redação do que nas ruas… mas cheguei a fazer algumas matérias de polícia, cobrindo assaltos frustrados, prisões de pés rapados, brigas de marido e mulher e até assassinatos de certa repercussão.

Tudo isto me vem à lembrança por causa da divulgação do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que tem aspectos positivos – houve queda no número de mortes violentas intencionais, que incluem homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte, policiais assassinados e vítimas de ação da polícia (o que não atenua a situação do Brasil, que continua sendo um dos países mais violentos do mundo) – e aspectos bem negativos, com o aumento no número de feminicídios, da ordem de 12%, de 1.173 no ano passado, ante 1.047 em 2017.

Prestem atenção neste número: em 2018, no Brasil todo houve 126 feminicídios… só no DF, entre janeiro e setembro de 2019, já foram 20! Ou seja, os homens continuam matando suas mulheres, seja porque não aceitam serem trocados por outro (o que, concordo, é angustiante e impacta bem a alma masculina), seja porque consideram mulheres um objeto de sua propriedade (o culto ao machismo, que nunca foi devidamente combatido no Brasil, inclusive pelas mães).
Aí, eu me lembrei de um caso que comecei a cobrir logo que cheguei ao Diário da Tarde, no meu primeiro mês de estágio: eu saía da MinasCaixa, onde trabalhava até as 18 horas, passava pela lanchonete que tinha embaixo da redação, na esquina das ruas Bahia e Goiás, pra engolir alguma coisa, e me apresentava ao editor da noite, Benício(*) que não gostava muito de estagiários mas, como estava sem repórteres na redação, me mandou…

– Ainda bem que você chegou, garoto… O Giva (motorista) já está te esperando. Vai pra delegacia do Calafate que eles pegaram um cara lá que matou a mulher com um guarda-chuva. Se vira, que eu quero esta notícia como manchete do caderno de polícia…! Saí correndo, peguei o carro e me mandei pro Calafate, um bairro classe média baixa de Belo Horizonte.

A delegacia estava cheia de gente: além dos policiais, vizinhos do casal, moradores do bairro e muitos populares se aglomeravam na frente, naquela curiosidade mórbida de todo ser humano, alguns com a clara pretensão de julgar, condenar e linchar o preso.

Apesar de vivermos tempos tenebrosos, repórteres eram recebidos sem maiores problemas, quando se tratasse de crimes de imediata repercussão e sem viés político: todo delegado gostava de aparecer na mídia! Em tempos de censura, poder se gabar publicamente da rapidez com que desvendara um crime pavoroso e prendera o assassino brutal, que matara a esposa dando-lhe guarda-chuvadas na cabeça e enfiando-lhe o dito guarda-chuva na barriga umas 05 vezes, era um passo para a fama!
Neste caso, ele não precisara desvendar nada: o assassino fora contido pelo filho mais velho e por vizinhos que acorreram aos gritos de socorro, mas seus guardas tiveram certa dificuldade para botá-lo numa rádio-patrulha e levá-lo para a delegacia, porque ele não queria se separar do corpo da mulher.

Era um homem grande e forte, motorista de caminhão, e, quando chegou na cela, teve que levar umas mangueiradas de água fria, algumas mangueiradas e cacetadas no corpo, ser amordaçado e imobilizado – Direitos Humanos também eram palavras desconhecidas então… e um pouco desprezadas hoje em dia!
(continua amanhã)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *