O patamar dos bons

No enterro da minha filha Jordana, morta aos 06 meses, aqui em Brasília, algum colega de trabalho que não me recordo quem, chegou, me deu um abraço apertado e disse baixinho: “É triste, muito triste, mas Deus Todo Poderoso sabe o que faz… Você sabe que foi melhor assim!”. Eu não estava em condições de pensar direito, concordando ou discordando: Jordana morrera no dia anterior no Centrinho em Bauru, eu e minha ex-mulher passamos a madrugada velando-a numa funerária de lá, porque o avião fretado só chegaria no dia seguinte, viajamos uma hora num carro funerário, embarcamos numa cidade próxima, Marília, e, ao chegar, fomos diretos para o Campo da Esperança).

Pouco tempo atrás, vendo vídeos de crianças deficientes fazendo coisas que até Deus duvida, escrevi um texto neste blog, pedindo perdão à Jordana por eu também ter pensado em algum momento, considerando as circunstâncias de seu nascimento, que fora melhor ela ter morrido. Voltei a pensar nisto agora, quando li os comentários vazados das mensagens trocadas entre os procuradores da Lava Jato, relativos às mortes da mulher, do irmão e do neto de Lula.               

Como qualquer ser humano, eu não sou perfeito, cometi erros a vida inteira, alguns imperdoáveis como este com minha filha, mas nunca desejei o pior a  outra pessoa, seja por não ir com a cara dela ou por discordar politicamente dela ou por ela ter feito alguma coisa que me magoou profundamente. E não desejo mal porque creia e tenha fé em um Deus onisciente que tudo vê e que me fará cobranças quando minha passagem pela vida terminar.

Eu não acredito em Deus, já escrevi isto aqui muitas vezes, eu não acredito que haja vida pós-morte, ou seja, eu não acredito que a alma, o dom de um deus, vá para um Purgatório para ser julgada, ou fique vagando pelo etéreo até se penitenciar de todos as culpas. Mas acredito em energias negativas e positivas emanadas por nós, animais racionais e pensantes, que tornam a nossa vida feliz, alegre, iluminada, ou infeliz, taciturna e  estupidamente desnecessária.                     

A morte é fim de todo animal, humano ou não… E todo ser humano merece viver até os 70, 80, 90 anos, sejam bolsonários ou petistas, ruralistas ou ambientalistas, sejam brancos, pretos, hetero ou homesexuais,  machistas ou feministas, civis ou militares, sejam gente boa ou filhos da p..a*… Se todos vivessem felizes, o mundo seria uma festa! Só que não é…

Qual o sentido da vida, então? Minha mãe, quase centenária, me fez esta mesma pegunta poucos dias antes de morrer (eu já escrevi isto aqui também.) Eu não soube responder então… e continuo não sabendo. Às vezes, nas madrugadas insones, depois de dois uísques e um filme violento ou uma sitcom, tipo The Big Bang Theory, me ponho a conjecturar: qualquer animal por nós chamado de irracional, seja feroz ou doméstico, tem comportamento previsível, baseado, acima de tudo, em instintos naturais, em especial o da sobrevivência, o mais forte deles.

Em minha chácara, eu convivo com galinhas caipira e d’angola, patos, cachorros e, agora, uma gata, adotada por minha filha. Além, claro, de calangos, aranhas, escorpiões, saruês, abelhas, pássaros e passarinhos, muitos passarinhos… Como também já escevi aqui, eu moro cercado por parques, de onde partem tucanos, caricacas, sabiás, joões de barro, maritacas e colibris para comer ou beijar as frutas e flores que tenho por aqui. Posso dizer que cada espécie tem comportamento próprio, que não foge deste instinto básico mais profundo, sobreviver.

É instigante ficar observando a gata, Blue, uma novata na casa, estender seus domínios além da própria casa. E é intrigante como ela aplica, com maestria, seu instinto natural em duas atitudes básicas para sua sobrevivência: fugir de um possível inimigo e caçar sua alimentação.

No primeiro caso, à simples ameaça de um cachorro mais próximo, ela escala o tronco de uma árvore, sabendo, instintivamente, que cachorro não sobe em árvore… No segundo, ela se deita sobre as patas e, de certa distância, fica estudando os movimentos do calango. De repente, dá um salto e segura o bicho com as patas dianteiras, deixa-o paralisado, pelo terror ou pela pancada, e o leva para um canto,  brinca um pouco e, vagarosamente, saboreando, devora-o.

Os seres humanos são bem mais complexos. Ao contrário dos outros animais, eles são racionais… pensam e, por isso, não se satisfazem com viver a própria vida, que, no final das contas, não tem sentido: para que nascer, crescer, trabalhar, transar, reproduzir e morrer? Que coisa mais estúpida, não é mesmo? De alguma forma, é preciso agitar esta rotina sem objetivos…

Alguns não conseguem encontrar objetivos para sentir que viver vale a pena… e recolhem-se a um negativismo que contamina tudo e todos em volta. Outros encontram Deus e seu pastor e entregam sua vida a eles, sentindo-se inteiramente felizes e recompensados pela vida por terem uma vida eterna, da qual sempre participarão Deus e seu pastor. E alguns privilegiados não só encontram Deus e seu pastor, mas por eles são abençoados com uma missão, que só eles podem cumprir.

Seres humanos, repito, são imperfeitos. Alguns destes abençoados esquecem a fragilidade da condição humana e, aos poucos, começam a se achar superiores, infalíveis, salvadores do mundo, únicos capazes de conduzir uma plebe ignara e rude para o caminho do bem, da retidão moral e espiritual, a sociedade perfeita, enfim! Sentem-se, pois, noutro patamar, o dos bons, aqueles que estão mais próximos de um deus do que dos mortais comuns.

Quando procuradores federais, jovens bem educados, concursados e bem remunerados, fazem comentários em suas redes sociais destilando ódio incontido, desrespeito absoluto e pouco caso com outros seres humanos,  acho que atingiram este patamar. E nós, seres humanos imperfeitos, juntos com seu país subdesenvolvido, nos fu…..*!               

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