Elucubrações previdenciárias (III)

A existência da Previdência Social nas bases como ela funciona hoje, surgiu a partir da Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, que é de 1960, ou seja, com todos os problemas que ela possa ter (e um destes problemas não é o rombo que os poderosos insistem em dizer que ela tem), ela vem dando conta do recado, garantindo a sobrevivência de aposentados e pensionistas brasileiros há 59 anos .

Por que, então, tanta pressão sobre os governos por reformas na Previdência? FHC fez, Lula fez, Temer tentou e Bolsonaro está tentando… Mas as reformas nunca são satisfatórias! Entra governo, sai governo, o mantra é o mesmo: o Brasil está falindo, o ajuste fiscal é imprescindível, o responsável é o rombo da Previdência,  cada vez maior! Será verdade?

Há anos que este rombo provém de um cálculo simplório que o governo faz das contas da Previdência: conforme escreveu Denise Gentil, professora da UFRJ, em texto publicado pela Brasil de Fato, o governo bota num prato da balança uma das receitas, as contribuições previdenciárias, ou seja, o que trabalhadores, empregadores, autônomos e domésticas recolhem mensalmente ao INSS  e, no outro prato, coloca o total do gasto com os benefícios: pensão, aposentadoria, todos os auxílios — inclusive auxílio doença, auxílio-maternidade, auxílio-acidente — e pesa, o que dá um déficit.

Onde está o erro, então? Acontece que o artigo 194 da Constituição Federal, diz que a previdência, a saúde e a assistência social fazem parte de um sistema de seguridade social que tem um orçamento próprio, que é alimentado pelas contribuições sociais e por tributos criados especificamente para esse fim.

Ou seja: no prato da receita, o governo deveria acrescentar às contribuições previdenciárias os recursos provenientes da Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL), Contribuição sobre o Financiamento da Seguridade Social (CSLL) e do PIS-Pasep. Só para se ter uma ideia da diferença que isto faz: os dados levantados pela professora Denise em 2014 indicaram que a receita previdenciária foi de R$349 bilhões mas, se os tributos de seguridade social entrassem nos cálculos, a receita pularia para R$ 686 bilhões!

Infelizmente, o povo brasileiro, o maior interessado em preservar um sistema previdenciário que o ampare na velhice, precisa lutar para sobreviver no presente e não tem tempo para pensar no futuro, do que se aproveitam os mais instruídos, os mais preparados, os mais poderosos para encaixar privilégios onde deveria haver equilíbrio que beneficiasse a todos.

Eu, certamente, não verei os resultados da Nova Previdência, caso ela seja aprovada, mesmo que com alguns cortes, conforme proposta pelos tecnocratas da equipe econômica do governo Bolsonaro. Mas posso imaginar algumas cenas, repetindo o que vem acontecendo no Chile, que implantou este mesmo modelo de reforma previdenciária.

Em 2015, exatos 35 anos depois de sua implantação, a redução no valor das pensões e aposentadorias provocou “uma onda crescente de suicídios no país” (o Ministério da Saúde, em parceria com o Instituto Nacional de Estatísticas/INE, publicou estudo mostrando que entre 2010 e 2015, 936 adultos maiores de 70 anos tiraram sua própria vida), além de ficar cada vez mais visível a quantidade de velhos e velhas que vivem embaixo de viadutos e disputam comida nas latas de lixo dos prédios nos bairros de classe média de Santiago, Valparaíso, Pucón, Puerto Varas, Viña del Mar…

Que os nossos jovens tão entusiasmados hoje com o Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, não tenham que conviver com esta realidade daqui a 10/20 anos…

 

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