Profissões e Conselhos (I)

Quando eu era menino, na década de 50, havia duas profissões consideradas ‘top’ para os filhos da classe média: Medicina e Engenharia. Garotos de grupo escolar, nós já éramos ‘doutrinados’ para seguir uma destas profissões… por duas razões básicas: respeito e garantia de uma vida sem problemas financeiros. Claro que havia outras profissões tão respeitáveis ou tão financeiramente seguras quanto, mas os pais de classe média faziam tudo para que os filhos homens seguissem estas duas. E não havia esta preocupação com as filhas… o casamento com um médico ou engenheiro era a certeza do futuro garantido.

Geralmente, os filhos que não tinham facilidade com a Matemática, essencial na Engenharia, ou não se davam bem com sangue, mesmo de uma galinha sendo preparada para o almoço do fim de semana, eram empurrados para alguma alternativa menos ‘interessante’: Psicologia, Administração, Agronomia, Letras  e, principalmente, Direito… que era a carreira dos políticos por excelência (desde a República, há 130 anos, dos 36 presidentes, incluindo os vices que ascenderam e exerceram o poder e os militares que o tomaram… 19 eram bacharéis em Direito!)

Naquela época havia políticos conceituados nas Câmaras Estaduais e Federal, e os senadores eram, geralmente, políticos com 20/30 anos de experiência parlamentar ou executiva. De qualquer modo, ambos, deputados e senadores eleitos eram, em sua maioria imensa, advogados ou produtores rurais (o Brasil começou a se industrializar na década de 50). E, que beleza!, os vereadores não eram remunerados, o que só começou a acontecer com a aprovação de uma Emenda à Constituição (n° 04), ocorrida em abril de 1975, no auge dos tempos sombrios (‘comprar’ políticos vem de longe… e não é prática só de políticos, é uma prática universal de quem detém o poder).

Não estou insinuando que hoje não haja políticos conceituados. Há, claro… dependendo do conceito que as pessoas tem, atualmente, do que é ser conceituado. Um deputado que defenda liberação total da comercialização de agrotóxicos no Brasil é muito bem conceituado entre os grandes produtores de alimentos, e um deputado que defenda reforma agrária em terras improdutivas também é muito bem conceituado pelos agricultores sem terra deste país.

O que estou dizendo é que o Brasil, aos trancos e barrancos, principalmente após experimentar uma ditadura por 21 anos e lambuzar-se na euforia libertária posterior, democratizou-se: em 31 anos – 1985 a 2016 – a postura democratizadora de nossa elite política tirou amarras retrógradas de nossa população e abriu espaços para que mais gente, fora desta elite, se libertasse de sua passividade política (‘O doutor é que entende destas coisas…’) e religiosa (‘Deus sabe o que faz!’) e partisse para conquistar sua parte neste imenso latifúndio.

O que estou dizendo é que o Brasil, democratizando-se, começou a evoluir em muitos sentidos, buscando seu espaço no mundo. Depois que o breve presidente Collor disse que nossos carros eram carroças, até conseguimos entrar na era internética, e as profissões ‘top’ mudaram: muito mais importante que ser médico ou engenheiro, é ser TI! Toda e qualquer atividade, mesmo Medicina, pode ser exercida internèticamente…

Hoje, em qualquer empresa, em qualquer escritório, em qualquer oficina há, inevitavelmente, alguém por trás de um computador. Hoje, você recebe cobranças, sem direito a contestar, através de uma atendente eletrônica. Hoje se faz sexo com prostitutas virtuais. E eu, um septuagenário filho de médico que escolheu fazer Jornalismo, fico me perguntando:  é por isto que ansiávamos?’

Parece-me que as novas gerações aceitam isto numa boa… sem quaisquer ‘grilos’ com o que está acontecendo com as pessoas de carne e osso que não fazem parte de sua rede social. Para elas, o jogo da vida mudou! E, com isto, médicos não querem atender em locais onde a clientela é pobre e miserável, ou batem ponto no serviço público e vão atender clientes privados no consultório, engenheiros se submetem a usar material barato para construir estradas e pontes e prédios, porque não são pagos para se preocuparem com a vida dos outros, caso estradas e pontes e prédios desmoronem, professores e policiais militares preferem fazer trabalho administrativo a cumprirem suas atividades numa sala de aula ou nas ruas…

Enfim, uma das consequências da informatização do país,   que não  preparou seu povo, politicamente analfabeto, social e culturalmente para isto, o egocentrismo prevaleceu. Ou seja, eu estou ultrapassado, sou descartável…  Como algumas outras múmias que pairam por aí, clamando, em seus blogs internéticos, por ações que despertem o povo de sua bovina passividade, que o faça sair de sua dependência de senhores e santos, e se mobilize em defesa, pelo menos, do pouco que conseguiu  conquistar nos 500 anos de existência do país. (continua)

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