Acomodado! Acho que eu mereço, enfim…! (II/III)

Ganhei fama de babaca, de não saber aproveitar as oportunidades que a vida oferece… ou de metido, dependendo de quem falava. E de acomodado: o cara que fazia o feijão com arroz, mas não extrapolava os limites da ética profissional, “o que seria muito melhor para a empresa em que eu trabalhava”. Os três presidentes que assessorei  na empresa não se importavam: Ruy e Átila preferiam meu profissionalismo… a política era com eles; Sally, um coronel, detestava jornalistas e preferia que a comunicação da empresa inexistisse.

Esta introspecção me ensinou outra coisa marcante para toda a minha vida: não agir emocionalmente… parar, pensar duas, três vezes e, racionalmente, tomar a decisão que eu entenda como correta.  Mesmo que ela se mostre errada depois, nunca vou poder culpar alguém ou me desculpar por tê-la tomado. Posso me arrepender amargamente por tê-la tomado, mas não posso dizer que foi o calor do momento, a pressão do tempo, a falta de conhecimento. Fiz isto poucas vezes na vida e, em todas elas, me arrependo até hoje.

Na verdade, algumas decisões emocionais, no calor da hora, que eu tomei, foram totalmente erradas, e permaneceram erradas ao longo da minha vida porque eu não soube, ou não quis, corrigir a tempo. Por orgulho, por egoísmo ou, simplesmente, por não ter a compreensão da vida que a gente costuma ter depois que a vida se transforma, apenas, numa luta diária contra o inevitável, a morte. Escrevê-las hoje em meu blog, têm o efeito de reconhecer meu eterno arrependimento, mas não de corrigir os erros cometidos.

A decisão de vir para Brasília, compartilhada com minha mulher à época, por exemplo, foi emocional, dinheirísticamente emocional… Eu ganhava 1.500 cruzeiros/mês e a proposta era ganhar 8.000 cruzeiros/mês… Com uma filha de quase 02 anos e outra a caminho, a decisão foi imediata (não sei, honestamente, o que teria feito se Marília, minha mulher, discordasse. Mas ela concordou!). Nós não devíamos ter vindo!  O jogo político de Brasília era (e continua sendo) muito pesado… E eu nunca tive jogo de cintura para conviver com isto. Sobrevivi, apenas…

A separação de Marília foi por decisão dela, que eu acatei, tornando-se consensual. Mas a pergunta dela, algum tempo depois, se eu me importaria dela se mudar para o Rio, levando as filhas junto, foi respondida emocionalmente: eu achava que não tinha o direito de atrapalhar a vida dela e disse que não me importava. Mas eu deveria ter feito esta pergunta para as filhas, antes de responder de pronto e sem pensar que elas poderiam não estar querendo mudar para o Rio. Muitas vezes, quando a gente está no terceiro ciclo da vida, a gente tem a doce ilusão que sabe tudo e que certas decisões tem que ser tomadas apenas pelos adultos, pois os filhos ainda são pequenos, não têm discernimento ou vontade própria para decidir. Estupidez pura e eterno arrependimento…

Muitos e muitos anos depois, já no segundo casamento e com outras duas filhas, eu decidi me aposentar. Morava num bom sobrado do Guará II, comprado por causa da última filha, sindrômica, que não viveu nele pois morreu no hospital, com 06 meses…  Eu gostava muito de morar lá, não só pela sua situação geográfica, mas pela comodidade da residência. E ainda havia a chácara , destino de toda a família durante uns 13 anos, em quase todos os fins de semana. Mas que não era mais: pelas contingências da vida familiar e pela distância, praticamente, só eu a frequentava quinzenalmente.

Decisão emocional, de novo: vender a Chalueo e empregar todo o dinheiro do Programa de Demissão Voluntária – um polpudo prêmio pelos 26 anos de trabalho na mesma empresa – mais Fundo de Garantia, para construir uma casa de muito bom nível numa área que permitisse juntar as duas coisas: uma residência, que fosse próxima do trabalho da mulher e das escolas das filhas, e uma chácara, que pudesse continuar como ponto de encontro de toda a família.

Deu certo durante algum tempo. A velhice e uma vida toda dedicada mais às coisas intelectuais – ler, escrever, planejar, criar – do que às físicas – plantar, cortar grama, podar árvores, colher frutas, criar galinhas e patos – acabam entrando em choque com a vida no campo. Enfim, é a vida… e ela não é brincadeira. Há o tempo de crescer, há o tempo de viver e há o tempo de parar. Não tenho novos amigos para plantar, não ouço mais os bolachões que plantei e não posso plantar livros que não consigo mais ler…

Quando muito,  posso me sentar sob uma ou outra mangueira e apreciar o milho crescendo, enquanto penso nas muitas vidas que vivi, nas coisas boas que fiz, nos erros que cometi, nas paixões sem amor que tive e nos amores que se cansaram da minha paz e passividade, mas que, não sendo imortais, foram infinitos enquanto duraram.

Minha casa no campo, agora, sou eu mesmo e minhas circunstâncias…  (continua)

 

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