De novo, não!

Desde a minha juventude, eu tenho um pé atrás com a vida militar e uma pinimba, meio preconceituosa, confesso, com os militares. A origem mais visível disto vem da época em que terminei o grupo escolar e tinha que entrar no ginásio. Meu pai (eu imagino hoje) devia achar que eu, que era tímido, não gostava de brincadeiras “violentas”, típicas dos meninos de então – ao contrário de meu irmão mais velho – precisava de uma instrução militarizada para me enquadrar aos padrões machistas da época, e me inscreveu para prestar os exames de admissão ao Colégio Militar de Belo Horizonte.

Eu sempre fui bom aluno, gostava de estudar… mas não passei! Não me lembro exatamente qual era a pontuação que se precisava obter para ser admitido no Colégio Militar, mas me recordo, nitidamente, de meu pai dizendo para minha mãe que faltara 0,8 pontos em Matemática, apenas uma questão que eu não respondera. Pois foi de propósito… e, para provar que era uma questão de interesse meu (NÃO QUERO SER MILICO!!!), passei em 2º lugar na admissão do Colégio Estadual, que era tão difícil e tão disputado quanto o Militar.

A origem mais profunda desta ojeriza à vida militar é meu espírito libertário, pouco afeito a ordens emanadas por alguém, seja um deus, seja meu pai, seja um professor, que diz simplesmente “eu estou mandando! Obedeça e pronto!” Mesmo sendo um tímido crônico e, por isto, passar boa parte da juventude não contestando ordens, intimamente eu sempre me perguntava por quê? Por que eu tenho que fazer isto? Com o tempo, eu passei a ouvir, não contestar, e fazer do meu jeito, mesmo que desse errado.  Ou seja, a vida inteira, mesmo não enfrentado uma determinada ordem estabelecida, pelo pai, pelo professor, pelo chefe ou por um deus onisciente, eu segui a minha intuição masculina (que nem sempre estava certa, mas era minha).

Esta postura de vida consolidou meu pé atrás com autoridades uniformizadas, fossem policiais, fossem militares de qualquer das Armas. E isto tem a ver com a obediência cega, com o pensamento padrão, com a falta de questionamentos, como se a vida fosse um plano reto, sem cantos, sem curvas, sem sombras… tudo devidamente no lugar estabelecido pelo senhor, sim senhor!

E eu tive e ainda tenho amigos militares, inclusive alguns mais jovens, com quem convivi e convivo mais diretamente, como um ex-namorado de minha caçula, policial militar, e um genro, servindo, como educador físico, na Aeronáutica.  E tenho alguns conhecidos, que encontro em reuniões de amigos comuns ou da associação de produtores da região onde moro. Os mais jovens até que são mais abertos a opiniões e posições contrárias, mas os mais velhos… haja paciência!

Inevitavelmente, nos tempos carregados de ódio que hoje correm, em meio ao uísque amigo, sempre se descamba para a política. E as discussões tornam-se amargas quando está presente um general reformado, que já era tenente quando eu era estudante de Jornalismo durante os anos sombrios da ditadura.

Eu acho que todo mundo tem direito de externar e defender suas ideias… Aceito até discutir opiniões racistas ou xenófobas ou machistas ou, até mesmo, fascistas.    Só não admito ideias que preguem a violência como forma de impor tais ideias, que é uma característica do nazi-fascismo e de algumas vertentes do comunismo e, claro, de alguns jovens perdidos, como os skin heads e os kataguiri’s boys, ou como os “corajosos” rancheiros do sul do país, que gostam de dar tiros em caravanas de ônibus e acampamentos populares.

E, em discussões “festivas”, me irrita profundamente quando alguém finge desconhecer a história para defender suas ideias e propagar conceitos que são desmentidos facilmente apenas clicando o Google no próprio celular. A ditadura militar que violentou a vida brasileira por 21 anos mereceu um pedido de desculpas pelo apoio dado até das Organizações Globo (provavelmente daqui a uns 50 anos, se ela ainda existir, também pedirá desculpas por ter apoiado o golpe contra a Dilma e o PT)… E aí vem um general de pijama me dizer, logo para mim que vivi naquele período e não sou idiota, que tortura, assassinato, prisões arbitrárias , corrupção de militares é tudo invenção da esquerda… que nunca existiu? Faça-me o favor!

Da última vez que encontrei meu conhecido general de pijama, ele estava indignado com a situação do país. Quando cheguei, atrasado, à festa de uns amigos em comum, ele já estava ligeiramente ‘alto’ e esbravejava no meio de um grupo de funcionários do Judiciário: “Este STF é uma piada! Um juiz de m…* engaveta a discussão do auxílio-moradia dos próprios juízes, outro juiz de m…* pede vistas sobre o foro privilegiado, um terceiro viaja para dar uma aula inaugural de um cursinho em que ele não podia ser o dono, mas é…  “ Quando me viu chegar, me apontou e disse: “Meu amigo comunista ali deve estar se deliciando com a situação do país! Um bando de m….* mandando em 200 milhões de palhaços…!”

Eu me aproximei do grupo e brinquei: “Heil Hitler, general!”  O ambiente descontraiu, alguns saíram da roda, outros se aproximaram, eu pedi um uísque ao anfitrião, ele me serviu e serviu outro ao general, e continuamos comentando a situação atual do país. Ambos concordávamos que o golpe (legítimo, segundo ele) havia fracassado, ambos concordávamos que a presidenta Dilma era honesta (além de ser comunista, na visão dele), e fora vítima de um golpe porque tinha sido inapta gerencial e politicamente, mas discordávamos na solução: ele dizia que os militares deviam assumir o poder e jogar 99%  dos políticos na cadeia, eu achava que o povo precisava opinar livremente, através de eleições gerais.

“O povo é burro! Não sabe votar!” – dizia ele. “Mas isto  é a essência da democracia, general!” – dizia eu. “Há pouco, o senhor estava aí esbravejando contra os juízes, que são concursados, não eleitos pelo povo. E, teoricamente, são pessoas de alta instrução, com experiência de vida, com discernimento para julgar outras pessoas… E quantas c…..* eles estão cometendo? “

Ele suspirou, pensou um pouco e retrucou: “Com os militares isto não aconteceria! Nós amamos a pátria, fazemos tudo pelo país, nunca iríamos permitir esta bandalheira promovida pelos políticos…” Eu respirei fundo, contei até 10, e argumentei: “Vocês estão permitindo isto, general! A Petrobras está sendo fatiada na cara de vocês… a maior riqueza do Brasil hoje, o pré-sal, está sendo entregue às petroleiras, Alcântara está sendo ocupada pelos americanos, a Eletrobras vai ser privatizada… Em menos de 04 anos, nossas grandes empreiteiras foram desmoralizadas e desmontadas por uma guerra santa e oportunista contra a corrupção, nossa indústria naval foi afundada, nossa exportação de carne e frango foi praticamente destruída… e vocês continuam aplaudindo a intervenção militar no Rio de Janeiro, que não melhorou p…* nenhuma a segurança de lá… Qualé, general? Acho que dá mais certo a gente continuar discutindo a ditadura… Pelo menos, o senhor tem mais argumentos…

Ele ficou pensativo, deu uma balançada no copo de uísque e soprou, quase para ele mesmo: “É… eu não sei por que meus irmãos estão tão calados…! Alguém falou das goleadas do Cruzeiro sobre o Universidad do Chile e o Vasco, a conversa descambou para o futebol. O general se chegou a mim e falou, quase sussurrando: “Eles estão esperando a coisa degringolar de vez, meu caro! Como em 64… O povo vai sair para as ruas e avenidas pedindo a nossa volta! E nós estaremos prontos! “

(“Socorro!” – pensei eu com meus botões.)

 

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