A ilusão fabricada das manchetes (II)

Estava escrevendo este texto quando me veio à memória, nitidamente, uma campanha da AERP (Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência da República), comandada até 1974, no governo Médici, pelo general Octávio Costa, um ‘goebelzinho’ pátrio.  Corria o ano de 1975 e Médici, o general de olhos azuis faiscantes (segundo o cartaz da época, que enfeitava o brado de ‘Brasil, Ame-o ou Deixe-o’) já cumprira suas ordens, e Geisel, o “prussiano”, assumira o plantão presidencial.

Recém chegado a Brasília, para montar e gerenciar a área de comunicação de uma empresa estatal, fui ‘convocado’ pela AERP para uma primeira conversa… nós, assessores de comunicação de estatais,  recebíamos ‘instruções’ para pagar as veiculações publicitárias do Governo indicadas pela AERP. Se não fizéssemos, havia um ASI (Assessor de Segurança e Informação) na empresa, que nos perguntava por quê não?

Nesta minha primeira conversa, eu recebi instruções precisas para assumir os custos de veiculação de filmetes elaborados pelo general Octávio Costa – ele já havia saído da AERP – em televisões de regiões onde a atuação da minha empresa – armazenagem – era significativa. Na voz patriótica de Cid Moreira, o apresentador do Jornal Nacional, uma clara simbiose com a Globo, os filmetes eram óbvias louvações ao regime militar.

A estreita colaboração Globo/poder permaneceu inquebrantável em todo o período ditatorial, até mesmo quando as forças políticas, até certo ponto empurradas pelo povo, especialmente os sindicatos, movimentos sociais e a igreja católica, começaram a exigir eleições livres e não simples troca de guarda. Tornou-se um “case” para estudiosos da comunicação hoje, a cobertura da Globo sobre esta mobilização popular, particularmente do grande comício pelas Diretas Já realizado em São Paulo, que reuniu 300 mil pessoas na Praça da Sé em janeiro de 1984: o comício, segundo o Jornal Nacional, era uma comemoração… do aniversário de São Paulo!

Apesar da Globo e da restante grande imprensa, sempre na rabeira, a ditadura acabou… E a Globo virou democrática desde criancinha! Tão democrática que noticiou, com absoluta isenção, via imagens do globocop, a “espetacular” prisão de Lula… (perdoem-me, a ironia é irresistível!) Eu sei que o povão não assiste Globo News (nem tem dinheiro para isto), mas para um velho jornalista como eu, que teve aulas de Ética na faculdade, é doloroso assistir programas deste canal pago e sentir o quanto seus jornalistas são comprometidos com aquilo que interessa aos patrões e não com os fatos em si…

Prestem atenção no modo (linguagem e gestual) como a condutora do noticiário ‘Jornal das Seis’, da Globo News, informa qualquer coisa relacionada a Lula ou ao PT. Observem a indignação ensaiada, o levantar de sobrancelhas, as frases reticentes… No vídeo aí embaixo, em plena transmissão do Carnaval, sintam o desagrado da dita cuja com a música  que soa atrás dela… Certamente, não sabia que Vai dar PT significa Vai dar Perda Total!

Observem a fatuidade, o olhar blasé do novo apresentador do Jornal das Dez (escolhido, evidentemente, para tentar reverter o desgaste com o apresentador anterior, demitido aparentemente por demonstrar seu racismo, num país em que isto não existe, conforme livro de seu chefão na  Globo), e  a “despretensiosa superioridade” do time de comentaristas, sempre enfatizando a proximidade com o poder (“Estive conversando com o Presidente…”, “O Rodrigo Maia, presidente da Câmara, ne explicou…”, “Tem um bastidor do Comandante do Exército…”). Bem disse Mino Carta, o maior jornalista da minha geração ainda na ativa: “No Brasil, o jornalista é pior que o patrão.”

Como disse, eu tive aula de Ética, que era uma das mais importantes matérias do Curso de Jornalismo. O professor,  um intelectual da geração de ouro de Minas, mas que não se mudou para  o Rio (como Fernando Sabino, Otto Lara Rezende, Paulo Mendes Campos…), ensinava que uma verdade pode ter inúmeras faces e a essência do Jornalismo era não se fixar numa única face na hora de apresentar os fatos a quem não participou deles.

Numa das primeiras matérias que fiz quando estagiava no Diário da Tarde, em Beagá – que foi publicada pela metade – sobre um ladrão que havia sido preso assaltando um mercado no bairro do Sion – eu estava na Delegacia quando ele chegou – o professor escreveu na lauda que eu havia datilografado a matéria e que lhe mostrei, querendo saber por que não fora publicada na íntegra: “Você foi ético, falou com o ladrão e mostrou as razões dele… o que foi cortado. Os Diários Associados não estão interessados nisto!” Os Diários Associados ainda eram poderosos, então… A diferença de hoje é que ainda havia Jornalistas naquela época!

 

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