A crise chegou lá também! (II)

“Mas, agora eles estão mandando, não é mesmo? Derrubaram a Dilma, desmontaram as velhas lideranças populares, vão prender o Lula e estão até matando as novas lideranças, como esta vereadora lá do Rio… Por quê estes políticos andam  tão nervosos então? Alguns que estão sempre por aqui são meus “chegados”, gostam de conversar comigo, falar mal da própria mulher, da ingratidão dos filhos, das dificuldades de descolar uma grana para a região deles, do monte de papéis que os assessores têm que preencher, das canalhices de chefetes de departamento e ministros… Até ontem, estavam arrotando a própria importância, os chamados do Presidente para reuniões em Palácio… Que iam fazer e acontecer e, de repente, parecem aqueles escorpiões que a gente cerca de fogo… ficam rodando, rodando até ferroar eles próprios! Eu fazia muito isto quando era menina na Bahia. Minha casa tinha muito escorpião…

Você falou na ditadura… Não me lembro bem dessa época não. Eu me lembro daquele general alemão na Presidência, cara fechada, quadrada… Eu tinha começado a construir minha vida em Belo Horizonte e já estava ganhando um bom dinheiro, quando conheci meu estudante… Abandonei a “vida” quando fiquei grávida e sonhava viver no interior, criando os filhos, quando a que seria minha sogra disse que filho dela não ia viver com uma zinha… e mandou o filho pro estrangeiro.  Já te contei isto, acho… Foi a maior lição que tive na minha vida… e olha que sou p…* velha em matéria de lições da vida desde que meu tio me convenceu que abrir as pernas para ele seria a maior felicidade do mundo…!”

“Interessante este seu jeito de falar de um estupro… Você sabia que uma das lutas da Marielle, a vereadora assassinada no Rio, era exatamente a violência sofrida pelas mulheres nos morros e periferias? Algo que continua existindo, do mesmo modo e com a mesma intensidade que aconteceu com você há 40 anos?”

“Há muitos anos eu aprendi com um professor de p…..a*, o velho que me transformou nesta cafetina envernizada, que, num lugar como este, não se deve-dar muita corda para papos sobre religião, política e futebol… dá confusão! Tirante estes assuntos, que resta para os homens conversar  e fazer? Sexo! E se há uma coisa que homem gosta de fazer… é falar de sexo, principalmente para se auto elogiar por suas proezas sexuais! Se você soubesse a quantidade de homens que tem algum estupro em seu passado – da empregadinha da casa dos pais, da colega de trabalho que precisa do emprego, da amiga safadinha da própria mulher, que lançava olhares convidativos quando a mulher não estava por perto – você teria material para um livro fantástico. Não sei se as histórias que me contam, ou contam para as meninas, são verdadeiras, mas mesmo que sejam meras fantasias, desejos nunca realizados, acho que grande parte dos homens tem certeza que estupro é uma coisa natural da vida, o direito de um senhor sobre sua escrava… E o pior, na verdade, é que muitas mulheres concordam com isto!”

“Acho que você já tem algo para fazer quando se aposentar: escrever este livro.”

“Minha praia será outra… uma casinha à beira mar no sul da minha Bahia. Um ou outro turista para não perder a prática ou, quem sabe?, um velho jornalista de companhia constante, a visita dos netos de vez em quando… Mas você está fugindo da minha pergunta: vamos chegar às eleições? O que seu nariz de jornalista, mesmo aposentado, realmente anda cheirando?

“Eu já disse: honestamente, não sei. A história me diz que não haverá eleições. Ninguém com um pingo de vivência de poder imagina que as forças conservadoras iriam planejar e dar um golpe que tenta, de forma falsamente democrática, detonar todas as conquistas sociais de governos populares, para, antes de concluir seus propósitos, devolver o governo, via eleições democráticas, às mesmas forças populares que conseguiram apear do poder. E esta gente joga pesado, e há muito tempo…

O lance inicial deste jogo era eliminar Lula, fosse prendendo-o, fosse incluindo-o na Lei da Ficha Limpa que, ironicamente, foi promulgada por ele. E estão conseguindo, com apoio do Judiciário: primeiro pela condenação do juiz de chão Sérgio Moro, com base em acusações sem provas da Lava Jato; depois, com a confirmação de culpabilidade pelo TRF-4, que aumentou a pena para 12 anos e 01 mês, para evitar a prescrição (conforme Élio Gáspari, um coleguinha que abomina o petismo, se Lula fosse condenado a 12 anos, seu crime estaria prescrito em 2017, 08 anos depois do fato. Com 01 mês a mais, 12 anos e 01 mês, os desembargadores mudaram Lula de patamar, e a prescrição só poderia ser arguida em 2019).

E, por fim, com a negação pelo STF, por 6×5, do habeas corpus impetrado pelos advogados de Lula. Eu acompanhei o julgamento e o voto da ministra Rosa Weber, que foi indicada pela Dilma, é um primor de ‘tortuosidade mental’  para justificar o fato de que ela votava contra o habeas corpus, apesar de ser a favor do habeas corpus…” .

“Eu assisti um pedaço também… Acho um saco aquele latinório idiota, aquela bobajada de data vênia pra cá, data vênia pra lá… tem uns ali que deviam fazer novela! Desculpe… eu te interrompi…”

“O segundo lance é, com o descarado apoio da mídia familiar, em seus noticiários, em seus programas da auditório, em seus shows dirigidos, criar a discórdia nos possíveis candidatos populares, o que já vem acontecendo… Não há dia em que não saia um comentário sobre o xingamento de Ciro (Gomes) ao PT, ou que o Boulos dividiu o partido porque apoia Lula, ou que a Manuela tenha divergido dos demais……

E o lance final é definir seu próprio candidato, o que parece ser a coisa mais complicada: Dória? Hulk? Alkmin? Meirelles? Maia? Temer? Bolsonaro? O dono da Riachuelo? O papagaio do pirata? Mas eles escolherão um deles, com certeza! Enquanto a esquerda, em qualquer parte do mundo, discute entre si a cor da bolinha de gude, a direita se une em torno de um pensamento comum: primeiro, ganhamos o poder, depois dividimos o butim entre todos nós…!”

“Neste contexto, Dezinha, o golpe continua e a crise também… Mas, ao contrário dos anos contados pela história, parte deles vividos por mim, há um componente novo neste processo: o povo está mais atento, muita gente participando ativamente pelas redes sociais. Pode até não fazer uma revolução quando Lula for preso e/ou ser impedido de ser candidato, mas não aceitará passivamente um adiamento das eleições ou uma eleição fajuta de um fantoche qualquer. Esta é minha esperança… e meu medo!

“A análise é boa, mas pode ter um furo: com toda pressão dos poderosos, com toda a campanha contrária da imprensa, ele permanece líder nas eleições… Agora, sendo preso, vai virar mártir!. O povão vai exigir sua candidatura!

“Tenho minhas dúvidas, Dezinha… O povão ainda é muito passivo. Os petistas sim, devem manter sua candidatura, mas não muda nada. Ele foi condenado por um colegiado, num tribunal, e é ficha suja. Seu registro de candidato não vai ser aceito pelo Tribunal… Se houver eleição, na reta final, o PT não vai abrir mão de candidato próprio para apoiar outro partido, a esquerda se divide e a direita se une, provavelmente em torno de Alkmin, que é politicamente insosso e, por isso, aceitável por boa parte da população.  Os poderosos fecharão com chave de ouro o golpe: com uma eleição democrática vencida por eles. A história brasileira terá dado outra volta sobre si mesma.”

“Bem, o Brasil não me interessa muito mas, se isto acontecer, fico feliz: logo logo, estarei sossegada na minha praia…! Não topa me acompanhar?”

 

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