O de sempre…

Uma velha amiga me pede uma opinião sobre a liberação de contas inativas do FGTS que, não sei porque, ela acha que é alguma mutreta… Pesquisei as fontes possíveis e não descobri nenhum malfeito efetivo. Mas, dependendo do ponto de vista, é uma bondade para os bancos e uma relativa sacanagem para os trabalhadores, acho eu. E explico porque:

o FGTS, sigla que ninguém lembra mais o que significa, é o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, que foi criado em 1966, em plena ditadura. Segundo o site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, “o FGTS é um direito fundamental do trabalhador, de índole social, garantido pelo art.7° da Constituição Federal de 1988. (Ele) foi idealizado como regime alternativo à estabilidade no emprego, (que era) assegurada pelo art.157, XII, da Constituição de 1946 e regulada pelos artigos 492 e 500 da Consolidação das Leis Trabalhistas, CLT.

Ou seja, Getúlio Vargas introduziu um conjunto de normas que protegiam os trabalhadores brasileiros, até então dependentes das vontades patronais. Uma destas normas era a estabilidade do emprego após 10 anos de trabalho em uma mesma empresa.

Aproveitando os tempos da ditadura, o patronato foi em cima deste normativo (e de outros, claro!), alegando que depois que o trabalhador atingia 10 anos de serviços prestados, ele se tornava vagabundo… isto é: ele era um empregado exemplar durante 10 anos mas, completado este período, ele não queria mais nada com a dureza – faltava constantemente, prestava um mal serviço, tornava-se rebelde, sindicalizava-se, que horror! – porque não podia ser mandado embora…

O governo dos generais se sensibilizou com o ‘sofrimento’ empresarial… e procurou uma solução. Os tecno-burocratas de então a descobriram no FGTS: os empregados descontam um percentual de seu salário (8% hoje), formando um fundo individual em seu nome (o qual é acrescido de 40% da rescisão, quando o empregado é demitido sem justa causa), e que só poderá ser sacado quando ele se aposentar. (Ao longo do tempo – 50 anos! – criaram-se outras possibilidades de saque, como a compra da casa própria, o tratamento de doenças graves e que tais).

Enfim, acabou-se a estabilidade no emprego e criou-se o
FGTS, que é um fundo, praticamente um saco sem fundos de dinheiro…! Cada trabalhador tem sua conta pessoal, que rende, sempre, uma merreca, o que não tem a menor importância, porque enquanto ele está ali sendo guardado “para garantir o futuro dos trabalhadores”, ele está participando ativamente da ciranda financeira, garantindo o funcionamento da economia.

Quando o país entra numa crise violenta como a que vivemos hoje, qualquer pingo é uma enxurrada, e ter dinheiro, o mínimo que seja, em circulação, é uma necessidade vital para se tentar manter um governo. A liberação de contas inativas do FGTS é um destes pingos: milhares e milhares de trabalhadores, endividados até o pescoço nesta recessão brava, terem permissão de sacar um dinheirinho inesperado (que é deles), para quitar o total ou parte da dívida acumulada neste período de vacas magras, é uma luzinha no fim do túnel.

Do outro lado, o velho ditado é explicativo: de grão em grão, a galinha enche o papo ou, sendo bem direto: os “gênios” do governo têm certeza que cem reais aqui, cinqüenta ali, dá para os bancos reduzirem a inadimplência e poderem amenizar o tamanho do rombo que estão tendo com os milhões de caloteiros que surgiram nos últimos tempos.

Ou seja: é bom para os milhões de trabalhadores brasileiros que, nesta crise, recebem um dinheirinho inesperado, que permite aliviar o sufoco, é bom para a economia, pois coloca em circulação um dinheiro substancial que estava meio que parado, vez que ele é destinado a financiamento habitacional, saneamento e infra-estrutura, sob forte impacto recessivo, é bom para o governo, que marqueteia que o país está saindo do fundo do poço, graças à sua política econômica correta.

Mas, será que é bom mesmo para os trabalhadores? Por menos que renda o dinheiro do FGTS, ele rende… e permite ao trabalhador fazer poupança que não faria se o dinheiro lhe fosse entregue mensalmente, já que poupar não é uma característica do brasileiro, poupança esta que é uma garantia futura, suficiente para segurar a barra até adaptar o orçamento às limitações da aposentadoria.

O que o governo está fazendo ao permitir o saque das contas inativas do FGTS? Mais objetivamente: o que são contas inativas do FGTS? Um país intelectualmente subdesenvolvido, de democracia tênue como o Brasil, com instituições políticas ainda sujeitas a chuvas e trovoadas, sobrevive em ciclos: desenvolvimento acelerado num período, com pleno emprego… recessão profunda em outro, com pleno desemprego. Naturalmente, a massa trabalhadora, ao longo de sua vida útil – eu disse a massa, não a classe média mais aquinhoada, que é profissional liberal ou funcionário público com estabilidade garantida ou equivalente – tem emprego fixo por um bom tempo, nos períodos desenvolvimentistas, mas fica pulando de um para outro nos depressivos.

Ao ser demitido ou pedir demissão, ao longo da vida útil, o dinheiro recolhido a título de FGTS fica retido numa conta do trabalhador na Caixa Econômica Federal, rendendo uma porcaria qualquer (3% + TR), disponível para o dono da conta apenas quando ele aposenta ou em casos específicos (compra da casa própria, doença grave e coisas assim).

Nesta época de crise gravíssima, com mais de 12 milhões de desempregados, com lojas fazendo faixas rogando por clientes, é claro que poder sacar este dinheirinho agora é um alívio para milhões de trabalhadores desempregados, que poderão segurar a barra por mais alguns dias… ou meses. Mas… e se o ciclo virtuoso de desenvolvimento do país acontecer ali na frente (2018 já é o ano que vem e o governo golpista atual muda, se não cair antes)… Mais um tempinho e os empregos reaparecem! Só que aquele dinheirinho guardado para a aposentadoria não volta mais, vai ter que começar a poupar de novo!

Já os bancos…! Foi um relatório do Santander que confirmou um post do blogueiro Fernando Brito (Tijolaço) para a carne debaixo do angu: “o grosso do dinheiro não vai para aliviar os trabalhadores ou reaquecer o consumo e a economia, vai é engordar os fundos de investimento regidos pelos bancos e corretoras e alimentar a especulação com juros.” Segundo o banco, “dos estimados R$ 41 bilhões que hoje estão na conta do Fundo…, a metade –  R$ 20 bilhões – serão liberados para apenas  100 mil cotistas – 1,2% do total –  que  têm saldo superior a R$ 17,6 mil, ou 20 salários mínimos de dezembro, data de referência dos valores. Isso que dizer, na média… que estes felizardos levam, cada um R$ 200 mil, que serão ávidamente disputados pelo sistema bancário.”

Aliás, basta acompanhar as múltiplas e entusiasmadas matérias das redes televisivas sobre o assunto para concordar com a afirmação do Tijolaço: para cada quatro populares, nitidamente de classe média baixa ou pobre, feliz porque vai pagar parte das dívidas acumuladas, aparece um senhor bem vestido dizendo que vai sacar o dinheiro para fazer aplicações em algo que renda melhor que o FGTS.

Minha querida amiga, é isto aí: ao que tudo indica, não há grandes mutretas na liberação das contas inativas do FGTS. Apenas a velha e tradicional política da elite brasileira desde os tempos coloniais: medidas que distribuem migalhas para o povão e garantam benefícios polpudos para ela própria

 

 

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