Sistema de governo

Outro assunto levantado na rede familiar para debate: mudar nosso sistema de governo seria uma saída para a crise? Parlamentarismo é uma boa? Eu já vivi o parlamentarismo , com Tancredo Neves e Brochado da Rocha, a ditadura dos generais-presidentes e vivo o presidencialismo, de Getúlio a Dilma. Mas, tenho que ir mais fundo, para dizer o que eu acho:
  1. Toda vez que a situação chega a um ponto de possível ruptura no Brasil, aparecem os arautos dos panos quentes, grupos da elite que apresentam propostas “salvadoras” para que o povo, o “cordial povo brasileiro”, não sofra com derramamento de sangue de inocentes. Foi assim no grito de Independência ou Morte, foi assim na Regência Una, foi assim na ascensão de Pedro II ao trono, com apenas 14 anos, e na República, com o Marechal Deodoro mandando Dom Pedro II para o exílio, e na derrubada da ditadura de Getúlio em 1945, e foi assim no suicídio do mesmo Getúlio em 1954, e na renúncia do Jânio Quadros em 1961, foi assim no início, em 1964, e no fim, em 1985, da ditadura militar, com a famosa “abertura, lenta, gradual e segura”.
  2. Algum derramamento de sangue aconteceu algumas vezes, sempre em revoltas populares, tipo Sabinada, Cabanada, Balaiada, ou na Guerra dos Farrapos, em que a elite gaúcha se revoltou contra a elite imperial brasileira, ou na Revolução Constitucionalista de 32, quando a elite paulista se revoltou contra a elite brasileira, ou na fase mais aguda das ditaduras tanto getulista, quanto militar… mas grandes revoluções em que o poder constituído fosse revirado de pernas pro ar nunca aconteceram.
  3. Daí que mudança de sistema de governo, no Brasil, é sempre uma tentativa de mudar para ficar tudo do mesmo jeito. Presidencialismo, Parlamentarismo, Semi-parlamentarismo, Monarquia absoluta ou constitucional ou Ditadura, militar, religiosa ou de partido único são sistemas de governo existentes em todo o mundo moderno, funcionando mal ou bem de acordo, fundamentalmente, com o grau de educação formal e política dos governados.
  4. Só para exemplificar: os Estados Unidos é um presidencialismo bi-cameral (Câmara e Senado) como o Brasil, e são considerados a mais bela democracia do mundo. Funciona bem? Tenho minhas dúvidas, que explico: o sistema eleitoral americano é tão complicado, que permite eleger-se um presidente (como aconteceu com George Bush) com menos votos populares que o derrotado (Al Gore), o que foi possível por duas razões: 1. o voto é facultativo e, na maioria das eleições presidenciais, menos de 50% da população comparece às urnas; e 2. dependendo do Estado, quem obtém a maioria dos votos, faz todos os representantes do Estado, ou seja, se 47% dos eleitores da Flórida votam num candidato democrata, mas 53% votam num candidato republicano… todos os representantes da Flórida votarão no candidato republicano para a Presidência. A Espanha é uma monarquia constitucional, ou seja, a população vota nos partidos, cujo chefe é chamado pelo rei para formar um governo do qual ele será o primeiro-ministro, se conseguir uma composição parlamentar que lhe dê maioria no Congresso. Cuba é uma ditadura de partido único: o povo elege os representantes de seus distritos, cidades e províncias, que elegerão a Assembléia Eleitoral, que indicará o primeiro-ministro, sempre do Partido Comunista de Cuba.
  5. Todos estes três países, o primeiro a potência mundial, o segundo passando por uma crise econômica séria, tanto que apareceu um partido político novo (Podemos) que está sobrepujando os partidos tradicionais (PSOE e PP), e o terceiro, em pleno processo de abertura econômica (não política) gradual, têm populações com alto grau de educação formal e política e, portanto, não ficam pensando em mudar seus sistemas de governo a cada vez que a situação se complica; já num país como Guiné Equatorial há um presidencialismo democrático, mas o atual presidente, considerado pela revista Forbes como o oitavo governante mais rico do mundo, está no poder há 37 anos, o que é explicado, claramente, porque 75% da população é analfabeta ou semi. Já na Índia, há um parlamentarismo puro: a população elege seus representantes para o Parlamento e o partido que obtiver mais votos indica o primeiro-ministro, que governa com o seu partido (composto ou não com outros, se for necessário obter maioria do Congresso). Isto não impede que haja uma governança hereditária, como já aconteceu: o Partido do Congresso mandou na India durante anos e anos, através de Nehru, de sua filha Indira, de seu neto, Rajiv, da mulher deste, Sônia, e já tem preparado o bisneto, Rahul, para ser primeiro-ministro, caso seu partido retome o poder nas próximas eleições.
  6. Voltando ao Brasil… sil… sil…! Nossa democracia é muito jovem ainda. Depois da proclamação da República, nós fomos governados por militares e políticos da elite, mesmo aqueles que tentaram governar para as camadas populares (Getúlio e João Goulart) e, por isto, foram derrubados. E, na ditadura militar, houve, propositalmente, uma real despolitização do país: interessados em manter uma fachada democrática, importante para ter o “respeito” internacional, os militares, com amplo apoio da elite, reduziram a política ao bi-partidarismo (Arena, pró-governo, e MDB, oposição) e criaram um conjunto de vantagens pecuniárias para atrair candidatos a deputados e senadores (algumas vantagens já haviam sido criadas por JK, quando transferiu a capital da República para a recém-construída Brasília).
  7. Estas vantagens nunca foram retiradas com o fim da ditadura, só foram acrescidas de outras vantagens, criadas pelos próprios parlamentares, agora democraticamente eleitos. Ou seja: ser deputado ou senador, membro eleito pelo povo para fazer as leis no Brasil, virou uma profissão altamente rendosa, não só pelos “salários” e penduricalhos pagos por nós, contribuintes, como pelas leis que podem ser aprovadas por eles, beneficiando interesses, muitas vezes legítimos, mas, em grande parte, apenas corporativos (reduzir a taxa de direito de lavra da terra que irá beneficiar as mineradoras, ou aprovar um PROUNI do ensino médio, que irá beneficiar os donos de colégios particulares, por exemplos. Quanto vale isto, em termos financeiros?).
  8. É fato que, nos últimos anos, já houve mudanças neste panorama desalentador, principalmente porque os jovens, depois de 30 anos de inapetência política e graças à Internet, que tirou o poder da exclusividade da comunicação da grande imprensa, acordaram para a participação e levaram os mais velhos de volta aos debates. A lei da Ficha Limpa, uma iniciativa popular, e a proibição de financiamento empresarial nas eleições pelo STF, são pontos fundamentais para reverter esta situação de domínio político dos endinheirados sobre a política brasileira.
  9. Mas, faltam muitas coisas ainda: reduzir o número de partidos, proibindo que partidos sem expressão e sem votos recebam recursos do Tesouro Nacional; fortalecer os partidos programáticos e eliminar os partidos caça-níqueis; proibir que parlamentares eleitos fiquem pulando de um partido para outro, buscando atender apenas seus próprios interesses; acabar com a bi-cameralidade idiota que existe hoje (na prática, qual a diferença entre Câmara e Senado no Brasil atual? Pela Constituição, há diferenças evidentes, com os deputados representando 513 divisões da população e o senadores representando o conjunto da população de uma Unidade da Federação. Na prática, não há nenhuma… muitas vezes, o governo tem que negociar com um partido no Senado, e com o mesmo partido na Câmara!) e, tão essencial quanto as anteriores, acabar com as imensas mordomias, pagas pelos contribuintes, que transformam o parlamento em um objetivo profissional, não consecução de um ideal – servir à população e à Nação.
  10. É óbvio que, com as honrosas exceções de sempre, os atuais parlamentares e políticos – e os donos do dinheiro – não têm vontade e nem teriam condições de propor mudanças em nosso presidencialismo, de modo a torná-lo apto a transformar nosso país em uma Nação. Talvez, uma Assembléia Constituinte – pessoas eleitas única e exclusivamente para estudar e reformar a Constituição – obtenha mais êxito, mas tenho algumas dúvidas, caso o poder econômico prevaleça na hora de eleger os constituintes e, por isso, é essencial a participação popular cada vez mais ativa, nas redes sociais e nas ruas. (Mas, atenção: o governo atual, como demonstrou nos últimos 13 anos, pratica a democracia e respeita as mobilizações populares… outros governos, como mostram os de São Paulo e Goiás, em relação às ocupações de escolas públicas, gosta de usar a força policial para reprimi-las).
  11. Em qualquer hipótese, mudança de governo nos moldes que estão sendo colocados pelos políticos agora, é cortina de fumaça, é apenas uma tentativa de obter apoio da maioria dos segmentos de poder – empresários, banqueiros, políticos dos vários partidos, classe média, média e alta, nações amigas estrangeiras – para executar o impeachment e instalar um governo que proponha mudanças  que fiquem do mesmo jeito.

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