Duas vidas e uma dúvida

Eu tenho para mim, que as pessoas públicas, aquelas que se sobressaem junto à imensa maioria de homens e mulheres comuns e normais, têm duas vidas: aquela que vivem como pessoas comuns e normais, comendo, transando, fazendo filhos, trabalhando, construindo uma história de vida… e aquela que constroem para a história, como heróis ou vilões, como exemplos a serem seguidos ou desprezados, como pessoas que representam uma determinada época ou são a essência de um determinado fato.

Na atual conjuntura brasileira, há vários personagens que podem ter esta “dupla vida”: Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves, José Serra, Luis Inácio Lula da Silva, Dilma Roussef, Gilmar Mendes, Sérgio Moro…

Em suas vidas comuns e normais, são o que são: aposentados profissionalmente, mas ainda líderes atuantes politicamente ou  ativos, com influência significativa, profissional e politicamente, avôs e pais na intimidade, que tentam preservar, apesar de estarem sempre presentes na mídia. Mas, como será a vida de cada um na história? É claro que a história é contada, sempre, pelos vencedores, porém, com o correr dos tempos, mágoas, ressentimentos, desavenças e incompreensões esmaecem e, pesquisando-se aqui, fuçando-se ali, um baú que estava no sótão, um amor que deixou um maço de cartas perfumadas, o bisneto curioso… surgirá um personagem. Será que sua verdadeira face será apresentada às gerações futuras?

Pesquisando, no presente, o reduas vidas... 3trato que a grande imprensa e os chamados blogs suduas vidas... 1jos  traçam de cada um destes personagens, acho que será uma tarefa insana para os biógrafos do futuro apresentarem o personagem  verdadeiro, com todas as nuances de sua personalidade.

Penso nisto enquanto resumo, mentalmente, o retrato em branco e preto dos personagens que citei.

Fernando Henrique Cardoso, o príncipe dos sociólogos brasileiros, autor de vários livros muito citados e pouco lidos, presidente do Brasil por dois mandatos, “criador” do Plano Real, que trouxe estabilidade econômica ao país quando o presidente, na verdade, era Itamar Franco, responsável por um programa de privatizações que, de um lado, massificou a telefonia  mas,  de outro, vendeu boa parte do sub-solo brasileiro e tentou vender nossa maior empresa, o homem que, extremamente vaidoso, tornou-se refém da Globo para esconder um filho que, no final das contas, parece que não era dele.

Aécio Neves, o neto de Tancredo, o presidente que foi sem nunca ter sido, deputado, governador e senador por Minas, mas  que bem e mais vivia nas praias cariocas, construtor de aeroportos particulares com verbas públicas, por onde passavam helicópteros carregados de pasta de coca, candidato derrotado à presidência, o que o transformou de um negociador hábil em um radical incendiário, líder e incentivador, com apoio da Globo, da derrubada de uma presidenta.

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José Serra, prefeito, governador, senador, ministro e gestor eficiente na Saúde, e candidato à presidência da República derrotado duas vezes, uma delas por uma bolinha de papel que a mesma Globo tentou transformar em um atentado, o único esquerdista que conseguiu abrigo nos Estados Unidos depois que fugiduas vidas... 8u da ditadura do Brasil para o Chile e teve que fugir de lá também, por causa de outra ditadura.  duas vidas... 9

Luis Inácio Lula da Silva, o retirante que virou operário, líder sindical e presidente do Brasil duas vezes, adorado por uns e odiado por outros, um estadista que não sabia falar inglês e falava palavrão a torto e a direito, o homem que mudou o paradigma dos governantes, governando para todos os duas vidas... 10brasileiros e não apenas para os 20% mais afortunados, um ladrão que tornou o filho multimilionário, dono de fazendas, mansão e avião a jato, um demagogo que, maior autoridade da República, carregava o isopor cheio de cerveja na cabeça, um babaca que beneficiou as maiores empreiteiras do país, recebendo, como paga, um triplex numa praia fuleira e um sítio com barco de lata e pedalinhos com nome dos netos.

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Dilma Roussef, a primeira mulher eleita presidenta e a primeira presidenta a sofrer impeachment por cometer irregularidades fiscais nunca comprovadas e por ser radicalmente arredia a políticos, safados ou não. A mulher guerreira que foi presa e torturada e nunca abriu o bico, a ministra e gerentona, que mudou a matriz enduas vidas... 12ergética brasileira, mas que não conseguiu enfrentar o poder rentista, trocando uma política estatizante por outra, neo-liberal, que mergulhou o Brasil, de vez, numa crise econômica, política e social. A inimiga dos políticos corruptos, que colocou muitos deles em seu ministério, e foi derrubada e substituída por eles.

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Gilmar Mendes, o juiz supremo que tem partido, e faz questão de dizer isto claramente, dentro e fora dos autos, o maior constitucionalista do Brasil, que introduziu os mestres alemães do direito na justiça brasileira, dando, inclusive, nova interpretação à teoria do domínio do fato, que condenou gente graúda, algo inédito,  sem provas; o coronel político de suas terras, sem medo de pender a justiça para os lados que lhe interessam, capaz de afrontar o bom senso e a opinião pública e se recusar a julgar o amigo e correligionário, o aplicador da duas vidas... 14lei, que enfrenta a legislação e exerce, claramente, duas atividades, de juiz e de dono de cursos de direito.

Sérgio Moro, o obscuro juiz de primeira instância do Paraná que conseguiu ser tão amado e odiado como o presidente Lula, o homem que transformou uma acusação contra um criminoso reincidente – que já tinha sido beneficiado por uma delação premiada, aceita por ele – na midiática “Operazione Mani Puliti” brasileira, que sacudiu as estruturas políticas do país, derrduas vidas... 15ubou caciques e coronéis e provocou a queda de uma presidenta eleita por 54 milhões de votos. Mas que não conseguiu prender o ex-presidente Lula, seu grande objetivo, ao que tudo indica.

 

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Enfim, mais dia ou menos dia de um futuro distante, todos estes personagens serão retratados como são em suas duas vidas,  mas eu sinto não estar presente então, para ver como estes biógrafos contarão as duas vidas do grande personagem da minha geração, José Dirceu de Oliveira e Silva. Será ele entronizado no panteão dos heróis, como o homem que,  por trás de Lula, tornou o povo personagem fundamental na condução do país? Ou será ele amaldiçoado como o homem que, escudando-se na aura de herói da esquerda, amealhou milhões e milhões com propinas, acordos espúrios e consultorias inexistentes?

João Goulart, Jango, o presidente derrubado pelos militares em 1964, e morto (provavelmente assassinado) quando se preparava para voltar ao Brasil, passou 50 anos sendo chamado de despreparado, inútil, covarde, comunista e que foi derrubado porque só gostava de pernas de cavalos e de coristas, apesar de ser estancieiro e casado com a mais bela primeira dama que o país já teve. Foram precisos 50 anos para os brasileiros descobrirem que Jango pretendia dar voto aos analfabetos, à época 30% da população brasileira. Que foi ele que implementou o 13º salário. Quduas vidas... 21e foi ele que fez os empresários aceitarem as greves dosduas vidas... 2 trabalhadores e, com isso, promover negociação salarial entre patrões e empregados. Foi ele, enfim, que tentou implantar as Reformas de Base, iniciativas que visavam alterações bancárias, fiscais, urbanas, administrativas, agrárias e universitárias,  modernizando o país e levando-o para um patamar que só foi alcançado uns 30 anos depois.

Levará 50 anos também para os brasileiros descobrirem quem foi Zé Dirceu?

 

 

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