Fundo do poço (repeteco)

Honestamente, eu pensei que já tínhamos chegado ao fundo do poço quanto escrevi o segundo texto sobre isto. Eu disse, então: “Na base do “levar vantagem em tudo” a classe média brasileira viveu os últimos 50 anos. E não aceita que gente de ‘classe inferior’, pobres ou de cor, também se insira no contexto, ocupando vagas nas universidades públicas (eu escrevi públicas!), lugares nos aviões, apartamentos de 48 m² em condomínios habitacionais, fins de semana em shoppings…”

Agora, percebi que ela, a classe média nem sempre ‘bem nascida’ mas bem instruída ou mediocremente bem empregada, quer mais do que isto, quer que o povão já comece sua vida sabendo seu lugar, que não é o mesmo lugar  dos bem nascidos e dos bem empregados, onde mamar nas tetas do governo para receber auxílios moradia, creche, paletó, combustível correspondência e outros penduricalhos é um “direito”. Como é um “direito” advogados do governo, que recebem salário para defender o Governo, receberem também a sucumbência! (Ou seja: o governo contrata advogados para que eles o defendam, mas se a Justiça dá ganho de causa ao governo, além da remuneração mensal, os advogados recebem o “plus’ por terem feito seu serviço direito…)

Povão tem que estar lá em baixo suando a roupa puída, trabalhando muitas horas para ganhar um dinheirinho para comer e ter forças para trabalhar mais ainda, sem carteira, sem aposentadoria, exatamente para que mais penduricalhos possam ser legalmente embolsados por quem pode. E os que não trabalham, independentemente de trabalho existir ou não,  devem ser presos, para que os filhos já nasçam sabendo quem são e o lugar onde devem ficar… Felizmente, nos tempos que hoje correm, alguns botam a cabeça para fora e gritam:

Perdoem meu desabafo, que tem a ver com a notícia da prisão de uma mulher grávida por portar 90 gramas de maconha. Repito: 90 gramas de maconha!!! A mulher não compareceu à audiência de custódia porque foi para um hospital público parir. O advogado, provavelmente um defensor público (as notícias não se interessam em informar isto), argumentou o insólito da situação: uma sentença de prisão obrigaria, naturalmente, a mãe condenada a levar um bebê recém-nascido para a prisão… mas promotora e juiz foram irredutíveis: mãe e criança foram levados para trás das grades da delegacia, onde o delegado se virou para tentar dar um pouco de conforto para ambos. Detalhe grotesco: a promotora estava grávida também…

Só para efeito comparativo: algum tempo atrás um helicóptero foi apreendido pela Polícia Federal com 480 quilos de pasta base de cocaína, mas seu dono continua livre, leve e solto a pronunciar seus discursos contra a corrupção do país na tribuna do Senado. Há menos tempo ainda, o filho de uma desembargadora no Mato Grosso, preso por integrar uma quadrilha internacional de tráfico de drogas, foi solto por outro desembargador, colega de trabalho da mãe, para que fosse internado numa clínica de recuperação de drogados.

Alguém disse, certa vez, que o poder corrompe. Eu acho que, além de corromper, o poder vicia. E este vício é tão envolvente que torna o poderoso insensível, por mais ridículo que seja o poder alcançado. É como se depois de lutar muito ou pouco, sozinho ou apoiado pela família, pelo dinheiro da família, alguém subisse num banquinho e passasse a cuspir em todos os que continuam ao rés do chão, tentando ou não subir também no banquinho.

Num país como o Brasil, em que 50% ou 44,4 milhões de trabalhadores em atividade ganham R$850,00 por mês e onde há 13 milhões de desempregados, qualquer pessoa que ganhe acima de R$10.000,00 mensais, como uma promotora e um juiz, é poderoso, muito poderoso. E uma pessoa que pode exercer este poder, como uma promotora e um juiz, sobre outras pessoas, porque a lei lhe dá este direito, dificilmente vai se preocupar com as condições ou situações em que uma pessoa pobre, que não consegue nem pagar um advogado , cometeu o crime que lhe é imputado. A lei é clara, aplique-se a lei!

É claro que se o réu ocupar um banquinho mais alto e estiver devidamente representado por um advogado de uma banca respeitável, há que se estudar melhor o caso e – quem sabe? – apresentar um novo ângulo da lei…

Como, por exemplo, fez o corregedor nacional da Justiça, ministro João Otávio Noronha, referindo-se ao auxílio-moradia de juízes, procuradores e promotores de Justiça (eu disse: de Justiça!) do Brasil: este benefício legítimo é “verba de natureza indenizatória” em “qualquer lugar do mundo” e no setor privado, o que o torna isento de Importo de Renda. Ou seja, endossou, com louvor, o que disse um antigo presidente do TJ de São Paulo, que justificou o recebimento do auxílio-moradia nestes termos:

Quer dizer: os caras recebem  entre 25 e 35 vezes o salário de 50% dos trabalhadores do país e se acham no direito de ainda ter mais um penduricalho equivalente a 05 salários mínimos como verba indenizatória? E sobre o qual não incide imposto de renda? Para indenizar o quê? Provavelmente para indenizar o esforço que eles têm que fazer quase todo dia para sair de casa, ir para o Fórum e ter que olhar para aquela gentalha desfilando sua falta de educação, sua falta de compostura, sua falta de decência, uma gentalha que não consegue aprender onde é o seu lugar…!

(Observação importante: o caso da mulher e seu bebê mandados para a prisão repercutiu tanto nas redes sociais, nos blogs sujos e até na grande imprensa que Suas Excelências do Supremo decidiram garantir prisão domiciliar para prisioneiras grávidas ou que estiverem amamentando (e que tenham filhos deficientes). A decisão de uma das Turmas, foi por 4 votos a 1. O único voto discordante foi do ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava Jato, contrariando sua histórica posição garantista como magistrado, o que fez a presidenta Dilma indica-lo ao STF. Que grande pecado carrega Sua Excelência para mudar totalmente a firme posição de toda uma vida após ascender ao posto mais alto da Justiça? Será que a Rede Globo sabe?)

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *