Fundo do poço (I)

Nestes últimos dias, alguns fatos sem qualquer ligação direta entre si, me levaram a pensar que, enfim, o Brasil atingira o fundo do poço. Nos meus quase 60 anos de ‘vida política’ – atento acompanhante da política, dela participando diretamente por vezes, como presidente de Diretório Acadêmico ou como chefe de gabinete de empresa estatal – eu já acreditei nesta chegada ao fundo do poço algumas vezes, geralmente desmentidas pela capacidade do poder político-econômico brasileiro em dar a volta por cima, arranjar um elevador, uma escada, uma corda, e soerguer-se sem afundar de vez (até quando os militares assumiram o poder, a elite econômica e política conseguiu manter a cabeça fora do limo).

Desta vez, acho que não há escapatória, o afogamento é irreversível…!

Primeiro, foi a história do impoluto e religioso juiz Marcelo Bretas, o Sérgio Moro  carioca, incensado pela Rede Globo, com entrevistas mil, como o justiceiro implacável que está conseguindo condenar o ex-governador Sérgio Cabral (um ex queridinho da Globo, aliás) como chefe de uma quadrilha que levou o Rio de Janeiro ao caos total em que ele vive hoje. (Parêntesis necessário: alguém se lembra ainda que foi no governo Cabral exatamente que surgiram as UPP’s, uma ação governamental que ia reduzir a influência dos traficantes nos morros cariocas e pacificar as favelas do Rio? Eu me lembro: o secretário de Segurança, Beltrame, estava dia sim dia não nos telejornais da Globo, sendo paparicado, inclusive, para ser candidato a governador… Alguém se lembra dele?)

Voltando ao herói substituto da Lava Jato, o juiz Bretas: de repente, a grande imprensa descobriu que ele podia não ser  aquela figura santificada que estava sendo “vendida” ao povão, um evangélico que citava versículos da Bíblia em suas sentenças e twit’s, mostrando um rigor à altura do herói Sérgio Moro, com quem, inclusive, partilhou, com direito à pipoca,  uma sessão de cinema onde a Polícia Federal é glorificada como a salvação do Brasil…!

De repente, alguma coisa desandou! Ou a Globo achou que Hulk tem mais chances e vale a pena investir em seu empregado… ou o capital paulista achou que a Globo estava ficando poderosa demais e era melhor jogar as fichas num paulista, fosse o anódino Alkmin, fosse o midiático Dória. O fato é que o justiceiro Bretas foi atacado no fígado: ele, juiz, e a mulher, juíza, recebem auxílio-moradia, mais de oito mil reais por mês (bancados pelo meu, pelo seu, pelo nosso suado dinheirinho de impostos) para morar no Rio, onde sempre moraram e onde têm residência própria…

Segundo, a impressionante entrevista do eterno camelô Silvio Santos com o  golpista Michel Temer, que terminou com este entregando uma nota de 50 reais ao apresentador, enquanto as silvetes jequitiavam no palco. O vídeo é longo, mas merece ser visto (não é necessário nem jequitiar nem vomitar…):

No fundo e na verdade, este vídeo é altamente instrutivo: mostra, didaticamente, como pessoas espertas e inteligentes conseguem enriquecer às custas do povo brasileiro – do povão politicamente analfabeto e da classe média que paga impostos escorchantes – usando a arte fundamental dos camelôs, o que Silvio Santos sempre foi, para vender ao público passante bugigangas como se fossem necessidades vitais. Vendendo ilusões, vendendo esperanças, vendendo falsas promessas de felicidade,  Senor Abravanel virou dono de televisão durante a ditadura militar e bilionarizou-se puxando o saco dos poderosos de plantão, convidados a participar de seus programas políticos e de auditório em troca de muita grana publicitária e muito financiamento a juros camaradas.

Alguém aí se lembra, há 28 anos, da ministra Zélia Cardoso de Melo saudada pelas ‘companheiras de trabalho’ do Silvio, defendendo o confisco da poupança? (Eu me lembro: foi uma época pesadíssima, principalmente para a classe média, como meus pais, cuja segurnaça financeira de toda uma vida estava em poupança na Caixa Econômica Estadual de Minas e, de repente, se viram sem nada…!)

Pois é… pois o presidente Temer também foi ao programa do Silvio Santos. Com uma popularidade ao rés do chão, sua equipe de marketing, depois de despejar rios e rios de dinheiro nos meios de comunicação tradicionais, incluindo o SBT (e não adiantar nada), deve ter achado que um programa de auditório é uma das opções para tentar melhorar a imagem do presidente da República (fiquei imaginando o Chacrinha gritando Temerzinhaaaaa!!!).

Eu não sou especialista em marketing político e, por isso, não posso afirmar que os marqueteiros presidenciais não c…ram* na entrada, mas, certamente, c…ram* na saída: ao final do programa, depois de toda a babação de ovo do Silvio Santos sobre a reforma da Previdência, o presidente da República dar-lhe uma nota de R$50,00, foi emblemático: “quem aprovar a reforma (ouviram, senhores congressistas?) também ganhará din din…!”

E, terceiro, a ribombante mensagem da nomeada, mas não empossada, ministra do Trabalho, “explicando” os processos trabalhistas que ela sofreu, acompanhada de musculosos companheiros sem camisa num iate nalgum ponto dos verdes mares da baia de Guanabara…

Honestamente, a declaração da quase futura ou quase ex (há um mês o país vive esta palhaçada) não foi o que causou furor nas redes sociais e nos tapetes aveludados de palácios e palacetes de Brasília. Dizer que todo mundo de ‘bem’ sofre ações interpostas por trabalhadores (geralmente influenciados por advogados de porta de sindicato) faz parte das reclamações de boa parte da classe média, que ainda não se acostumou com a ideia de que empregadas domésticas, babás, arrumadeiras, passadeiras, motoristas, caseiros e peões de sítios e fazendas são gente e devem ter os mesmos direitos trabalhistas que operários, comerciários e industriários (Não é à toa que a classe média odeia tanto Lula!)

O que, na verdade, chocou o poder constituído e, por extensão, a classe média que vive nas redes sociais foi uma quase ou ex ministra abraçada por 05 machos seminus, demonstrando , aparentemente, uma falta de ‘classe’ e decoro impensáveis para alguém que poderá ou poderia exercer um poder ministerial, o que, numa sociedade hipócrita como a que nós vivemos, é inadmissível. As redes sociais, que foram capazes de ensinar e repassar a forma correta de evitar a sobrevivência de alguém,  por ser a mulher de Lula, quando ela sofreu um AVC, não admite que os poderosos de sempre demonstrem qualquer laivo dos naturais instintos humanos…

Mas, como eu disse no começo, chegamos, definitivamente, ao fundo do poço! E, no fundo do poço, todos se igualam à lama que lá subsiste.  Só que minha certeza não durou um dia! Havia mais fundo no fundo do poço! (continua)

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