E agora, Brasil?

Há um poema do Carlos Drummond de Andrade, publicado pela primeira vez em 1942, que se encaixa terrivelmente bem à perplexidade do momento vivido pelo Brasil hoje, após o julgamento indevidamente político feito pelo TRF-4, que jogou no lixo o que diz juridicamente o processo, para se basear, no final das contas, em matéria do jornal O Globo e em delações sem comprovação, não só para condenar Lula mas, também,  aumentando a sentença do juiz Sérgio Moro no malfadado processo do tríplex do Guarujá.

O poema, ‘E agora, José?’, segundo interpretadores de textos poéticos, ‘tenta mostrar o abandono e solidão de um José qualquer num centro urbano qualquer, sua desesperança, sua insignificância, a inutilidade de sua luta pela vida, sem um caminho, uma luz a seguir, uma perspectiva de futuro…’

Eu gosto de poesia, mas não tento interpretá-las porque acho que poesia e música, independentemente da letra que a completa, são sentidas, atingem diretamente a alma e isto basta. Mas, é interessante, também para efeito sentimental, acompanhar a interpretação do poema de Drummond (proposta por https://www.culturagenial.com), fazendo uma única e pequena modificação: em vez de ‘E agora, José?’, imaginá-lo levantando-se daquele banco em que ele foi colocado no Posto 6 da praia de Copacabana, para declamar: ‘E agora, Brasil?’

E agora, Brasil?/A festa acabou,/a luz apagou,/o povo sumiu,/a noite esfriou,/e agora, Brasil?/e agora, você?/você que é sem nome,/que zomba dos outros,/você que faz versos,/que ama, protesta?/e agora, Brasil?//

O poeta “começa por colocar uma questão que se repete ao longo de todo o poema, se tornando uma espécie de refrão e assumindo cada vez mais força: “E agora, Brasil?“. Agora, que os bons momentos  terminaram, que ‘a festa acabou’, ‘a luz apagou’, ‘o povo sumiu’, o que resta? O que fazer? Esta indagação é o mote e o motor do poema, a procura de um caminho, de um sentido possível.” Brasil “pode ser entendido como um sujeito coletivo, metonímia de um povo. Quando o autor repete a questão, e logo depois substitui Brasil por ‘você’, podemos  assumir que está se dirigindo ao leitor, como se todos nós fossemos também o interlocutor. “

É um homem banal, ‘que é sem nome’, mas ‘faz versos’, ‘ama, protesta’, existe e resiste na sua vida trivial. Ao mencionar que este homem é também um poeta, Drummond abre a possibilidade de identificarmos Brasil com o próprio autor. Coloca também um questionamento muito em voga na época: para que serve a poesia ou a palavra escrita num tempo de guerra, miséria e destruição?” (Em 1942 o mundo estava em guerra… em 2018, o Brasi está em guerra!)

Está sem mulher,/está sem discurso,/está sem carinho,/já não pode beber,/já não pode fumar,/cuspir já não pode,/a noite esfriou,/o dia não veio,/o bonde não veio,/o riso não veio,/não veio a utopia/e tudo acabou/e tudo fugiu/e tudo mofou, e agora, Brasil?”//

 O poeta “reforça a ideia de vazio, de ausência e carência de tudo: está sem ‘mulher’, ‘discurso’ e ‘carinho’. Também refere que já não pode ‘beber’, ‘fumar’ e ‘cuspir’, como se seus instintos e comportamentos estivessem sendo vigiados e tolhidos, como se não tivesse liberdade para fazer aquilo que tem vontade.

Repete que ‘a noite esfriou’, numa nota disfórica (de inquietação), e acrescenta que ‘o dia não veio’, como também não veio ‘o bonde’, ‘o riso’ e ‘a utopia’. Todos os eventuais escapes, todas as possibilidades de contornar o desespero e a realidade não chegaram, nem mesmo o sonho, nem mesmo a esperança de um recomeço. Tudo ‘acabou’, ‘fugiu’, ‘mofou’, como se o tempo deteriorasse todas as coisas boas.”               

“E agora, Brasil?/Sua doce palavra,/seu instante de febre,/sua gula e jejum,/sua biblioteca,/sua lavra de ouro,/seu terno de vidro,/sua incoerência,/seu ódio — e agora?”    

          

Drummond “lista aquilo que é imaterial, próprio do sujeito (‘sua doce palavra’, ‘seu instante de febre’, ‘sua gula e jejum’, ‘sua incoerência’, ‘seu ódio’) e, em oposição direta, aquilo que é material e palpável (‘sua biblioteca’, ‘sua lavra de ouro’, ‘seu terno de vidro’). Nada permaneceu, nada restou, sobrou apenas a pergunta incansável: E agora?”.

“Com a chave na mão/quer abrir a porta,/não existe porta;/quer morrer no mar,/mas o mar secou;/quer ir para Minas,/Minas não há mais./Brasil, e agora?”

               

“O sujeito lírico não sabe como agir, não encontra solução face ao desencantamento com a vida, como se torna visível nos versos ‘Com a chave na mão/quer abrir a porta,/não existe porta’. Brasil não tem propósito, saída, lugar no mundo. Não existe nem mesmo a possibilidade da morte como último recurso – ‘quer morrer no mar,/mas o mar secou’ – ideia que é reforçada mais adiante. Brasil é obrigado a viver. Com os versos ‘quer ir para Minas,/ Minas não há mais’, o autor cria outro indício da possível identificação entre Brasil e Drummond, pois Minas é a sua terra natal. Já não é possível voltar ao local de origem, Minas da sua infância já não é igual, não existe mais. Nem o passado é um refúgio.”               

“Se você gritasse,/se você gemesse,/se você tocasse a valsa vienense,/se você dormisse,/se você cansasse,/se você morresse…/Mas você não morre,/você é duro, Brasil!”              

“O poeta coloca hipóteses, através de formas verbais no pretérito imperfeito do subjuntivo, de possíveis escapatórias ou distrações (‘gritasse’, ‘gemesse’, ‘tocasse a valsa vienense’, ‘morresse’) que nunca se concretizam, são interrompidas, ficam em suspenso, o que é marcado pelo uso das reticências. Mais uma vez, é destacada a ideia de que nem mesmo a morte é uma resolução plausível, nos versos: ‘Mas você não morre/Você é duro, Brasil!’. O reconhecimento da própria força, a resiliência e a capacidade de sobreviver parecem fazer parte da natureza deste sujeito, para quem desistir da vida não pode ser opção.”               

“Sozinho no escuro/qual bicho-do-mato,/sem teogonia,/sem parede nua/para se encostar,/sem cavalo preto/que fuja a galope,/você marcha, Brasil! Brasil, para onde?//”             

“É evidente o seu isolamento total (‘Sozinho no escuro/Qual bicho-do-mato’), ‘sem teogonia’ (não há Deus, não existe fé nem auxílio divino), ‘sem parede nua/para se encostar’ (sem o apoio de nada nem de ninguém), ‘sem cavalo preto/que fuja a galope’ (sem nenhum meio de fugir da situação em que se encontra). Ainda assim, ‘você marcha, Brasil!’. O poema termina com uma nova questão: ‘Brasil, para onde?’. O autor explicita a noção de que este indivíduo segue em frente, mesmo sem saber com que objetivo ou em que direção, apenas podendo contar consigo mesmo, com o seu próprio corpo. O verbo ‘marchar’, uma das últimas imagens que Drummond imprime no poema, parece ser muito significativo na própria composição, pelo movimento repetitivo, quase automático. Brasil é um homem preso à sua rotina, às suas obrigações, afogado em questões existenciais que o angustiam. Faz parte da máquina, das engrenagens do sistema, tem que continuar suas ações cotidianas, como um soldado nas suas batalhas diárias. Mesmo assim, e perante tanta evidência pessimista, de vazio existencial, os versos finais do poema podem surgir como um vestígio de luz, uma réstia de esperança ou, pelo menos, de força: Brasil não sabe para onde vai, qual o seu destino ou lugar no mundo, mas “marcha”, segue, sobrevive, resiste.”

Na verdade, há 500 anos que o Brasil faz isto, seguir, sobreviver, resistir… Gostaria muito de ainda estar vivo quando ele resolver virar o jogo. E podia ser agora, nos próximos 04 anos, se Lula esquecesse os recursos judiciais, adiasse a candidatura, apoiasse um candidato de esquerda (mesmo que fosse só para marcar posição e contra os interesses do PT), formasse um time aguerrido para disputar Câmara e Senado e se entregasse ao juiz Moro, para cumprir sua pena, injusta, mas efetivamente imposta.

O povo entenderá e saberá que a hora de virar o jogo definitivamente chegou…!

 

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