Cheguei até aqui… E agora?

Até hoje não tinha me dado conta do que significa ser velho… Existem, a algum tempo já, indicações claras das facilidades legais oferecidas aos velhos, como a preferência nos caixas de bancos ou em estacionamentos ou da gratuidade em ônibus – que eu não uso há muitos anos – e das dificuldades físicas que, no meu caso específico, tem muito mais a ver com a crescente deficiência visual do que a possíveis artrites, reumatismos, fragilidades ósseas e que tais.

(Esclareço: sofrendo de miopia crescente ‘descoberta’ aos 11 anos de idade, tive um descolamento de retina há uns 04 anos atrás e, mesmo  depois de 05 operações, continuo com visão quase nula no olho esquerdo, além de graduação grande de miopia no olho direito combinada com uma epiteliopatia que vai se agravando com o passar dos anos. Mas, felizmente, ainda dá para dirigir o carro durante o dia, desde que não me aventure em horário de muito movimento, o que é uma graça dos deuses, porque aposentado não tem condições de ter motorista…! )

Só que hoje, exatamente hoje, às 05 horas da manhã, eu completei 70 anos de vida!

Já faz algum tempo que eu comecei a repassar a minha vida (quem acompanha este blog, percebe isto nos textos que escrevo): minha infância e juventude em Belo Horizonte, meus casamentos, minhas famílias, minha mãe quase centenária… E por mais que eu diga que já cumpri minha missão na vida, eu descubro um ponto obscuro nesta certeza: que missão?

Boa parte da minha geração, criada sob os mandamentos da religião católica apostólica romana, tinha um norte na vida: homens ou mulheres teriam que amar uns aos outros e servir a Deus sobre todas as coisas…  Mas, eu já disse e repeti aqui no blog que não acredito em um Deus Todo Poderoso, Senhor da Terra e dos homens e mulheres. Com certo ceticismo,  acredito em energias positivas e negativas que ajudam qualquer ser humano, por mais fu…* que esteja, a levar a vida em frente, não importam as paredes que lhe são colocadas à frente.

Não posso reclamar de paredões em minha caminhada. Ao contrário, sou filho de médico que, mesmo não tendo transformado sua profissão em negócio, teve condições e soube me dar educação para enfrentar a vida por mim mesmo. E, enfrentando-a, me tornei gente. Ajudei a criar duas famílias, que formaram ou estão formando outras famílias, responsáveis, produtivas, amorosas, úteis às suas comunidades.

Completando 70 anos hoje, acho que posso me orgulhar do que deixo às presentes e futuras gerações: três filhas naturais e uma do coração (filha do primeiro casamento de minha segunda mulher, que viveu comigo desde os 04 anos), três netos e três netas – será que algum deles ou delas, mesmo as duas não biológicas, terá personalidade semelhante à minha? – e a possibilidade de mais outras ou outros, da filha caçula, ainda pensando nisso.

Nenhum deles convive diariamente comigo. Minhas filhas naturais moram longe, duas em Washington e uma em Ciudad del Mexico. Só a filha do coração insistiu em morar no Brasil (apesar de eu incentivar para sair pelo mundo. Mas o amor é cego! E, por isso, tem sua casa e seus compromissos naturais). Com as facilidades da comunicação hoje em dia, estou sempre sendo informado das alegrias e novidades de filhas e netos… Ou seja: não amei muitos outros, nem servi a Deus, mas amei e amo os meus e mais alguns, a quem dedico amizade, carinho e meu apoio sempre que é necessário. Foi… É suficiente?

Eu tenho certeza que contribuí para a formação de minhas filhas com um princípio fundamental, que eu construí para minha própria vida:  liberdade com responsabilidade. Passei este conceito básico a todas elas e acho que todas elas entenderam e aplicaram em suas próprias vidas. Completando 70 anos e longe de todas elas, será que fiz o certo?  Não deveria tê-las prendido por perto? Não deveria tê-las ajudado a caminhar? Será que posso me manter lúcido por um bom tempo ainda, absolutamente em paz com a minha consciência?

Minha mãe, perfeitamente lúcida aos 98 anos, costuma contestar esta lucidez. Diz ela, constantemente, que a lucidez é enganosa porque estimula, faz com que você queira fazer coisas que o corpo não permite mais, o que é extremamente frustrante. Ela gosta de varrer a casa dela todo dia, gosta de cuidar de suas plantas, gosta de fazer seus bolos e tortas… e nem sempre consegue, pois se cansa, esquece ingredientes, desliga o fogão antes da hora… ou deixa-o ligado depois! E fica injuriada porque não consegue mais fazer algo que sempre fez. E aí, acha que estaria muito melhor se a cabeça acompanhasse o corpo, ou seja, se deteriorassem na mesma proporção.

Eu “brigo” muito com ela por causa disto… Mas, cá comigo, não deixo de lhe dar razão. Aos 98 anos, com a mente aguda para ler livros e assistir novelas, discutir política e a má educação das gerações mais novas, e “implicar” com os mais próximos, seja porque queremos que ela fique mais quieta, quando ela ainda tem energia, ou porque ela não para de reclamar de pequenas coisas da vida –  da diarista semanal que sempre deixa de fazer alguma coisa, do sobrinho que nunca arruma seu  guarda-roupas, da neta que insiste em criar um porquinho da índia no próprio quarto – que objetivos ela ainda pode ter na vida?

E que objetivos eu posso ter na vida nos próximos 30 anos até chegar à idade  dela? Escrever este blog, claro… e conseguir transmitir uma experiência de vida que seja útil para amigos, parentes e quem mais aparecer aqui neste canto? Terminar meus romances, um deles iniciado há mais de 10 anos e vê-los publicados… e lidos? Será isto suficiente para os próximos 30 anos, presumindo que eu tenha a mesma longevidade de minha mãe?

Honestamente, não sei…!

Minha caçula costuma me cutucar lá do México: “…tô mandando uns artigos sobre novas atitudes diante da vida…”, “Pai! Trate de viajar! Vá realizar seus sonhos!”, “Que tal a gente ir para Cuba? Você sempre quis ir lá…!”.  Realmente, eu sempre adorei viajar mas, ao mesmo tempo, sempre  fui medroso demais para enfrentar o novo, o inesperado, a perspectiva de cometer um erro… E sempre detestei depender de alguém para fazer a coisa certa e não cometer este erro. . Viajar pelo Brasil sempre dependeu de mim (ou do meu trabalho), viajar pelo mundo depende de  saber a língua (uma facilidade que não tenho, nem para o inglês), de movimentar-me em aeroportos estranhos ou parar em guichês de informação que, no máximo, se pronunciam em inglês e… principalmente, de alguém junto, para realmente apreciar a viagem.

Mais: viajar pelo mundo significa ver coisas maravilhosas, realizando sonhos que adquiri nos livros da biblioteca de meu pai ou na minha alfabetização política, como o metrô de Moscou, a Transiberiana, o Orient Express, as muralhas da China, as ilhas gregas, o Coliseu, os fiordes escandinavos, as grandes ondas do Havaí, as pirâmides do Egito e, claro, La Bodeguita, em Havana… Para ver o quê, respondo eu, se não enxergo mais quase nada?

Por ser um tímido crônico, a vida me ensinou a ser um cético em relação a tudo, inclusive à própria vida… Um grande ‘professor’ da minha juventude, Frei Marcelo, dizia que o fundamental na vida não era acreditar num Deus onipotente, onisciente e onipresente… mas aceitar a força positiva que a fé em Deus proporciona aos homens de bem. “Pecados – dizia ele – todos nós cometemos a todo o momento… o fundamental é termos a força que Deus nos dá para percebê-los, nos redimirmos deles e não repeti-los”.

Apesar de não acreditar muito nisto, tentei ser um homem de bem. E o fui a maior parte da vida. Pelo menos naquilo que eu entendo ser um homem de bem. Mas, por mais que tentasse não fazê-lo, cometi muitos e enormes erros. E, aos 70 anos, enfim, posso contestar Frei Marcelo: você pode até arrepender-se de seus erros, mas não há como consertá-los, repará-los, desculpá-los…  Se eles atingiram alguém – e sempre atingem – mesmo sem intenção, eles já atingiram alguém. E lhe fizeram algum mal!

Sobre um dos meus últimos textos (Velho ano novo), minha filha mais velha fez um comentário: “Eitcha que tá ranzinza!”  Na minha época de jovem, ranzinzice era sinal de velhice. Ou seja: estou velho, enfim! Que a minha velhice não incomode muito os outros e que não seja muito longa, são meus votos de aniversário para mim mesmo.

 

PAINEL FOTOGRÁFICO:  A PROVA VIVA DA EVOLUÇÃO DA ESPÉCIE, NÃO MUITO FAVORÁVEL AO INDIVÍDUO…

 

 

 

 

 

 

 

 

2 comentários em “Cheguei até aqui… E agora?

  1. Léo, você é um verdadeiro exemplo! Meus parabéns por esta data tão especial! 70 não são poucos, mas também não é velhice, pois desse mal sua mente nunca vai padecer, pois sempre ativa, curiosa e cheia de boas memórias! Meus votos de felicidades, longa vida e paz interior! Um abraço apertado! Niel

    1. Obrigado, Niel… mas não me considero exemplo. Quando muito, o tio mais velho que já viveu o suficiente – 70 anos! – para transmitir algumas coisa útil para os mais jovens. Espero que você tenha razão e que a lucidez, como diz minha mãe, não seja enganosa. E eu ainda chegue aos 80 com a mente suficientemente aguda para continuar contando histórias e vivências através do blog. Obrigado pelo desejo de paz, mas estou numa fase em que a agitação é imprescindível. Vamos nos saculejar, pois!

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