Noites de Natal

Noites de Natal não são muito marcantes em minhas lembranças. Talvez porque, desde cedo, eu não estivesse muito ligado nestas tradições católico-apostólico-romanas, talvez porque nunca recebi um presente de Papai Noel que tivesse algum significado profundo para a minha mente infantil… Mais provável: minha lembrança mais antiga de um Natal me traz uma sensação triste e amarga de ter cometido um erro grave, qual seja o de demonstrar claramente um sentimento puro e inocente, que foi transformado em motivo de troça e desrespeito até por quem era alvo deste sentimento. Minha personalidade de timidez crônica durante boa parte da minha vida teve muito a ver com este Natal.

Foi meu primeiro Natal em Belo Horizonte, onde fôramos morar poucos meses antes e, com meus 06 para 07 anos, eu estava certo que havia encontrado o amor da minha vida. Ela era filha de um casal conterrâneo de meus pais, há muito radicado em Beagá, um abrigo seguro para uma família recém-vinda do interior mineiro: nós ainda vivíamos no Hotel Icaray e eles numa casa própria no Barro Preto, onde ficava a sede do Cruzeiro Esporte Clube.

Nos finais de semana, meus pais, invariavelmente, iam jogar baralho na casa deles, e por lá eu ficava sábados e domingos, feliz por estar próximo da “amada”, mesmo que, na maior parte do tempo, eu ficasse zoneando com os irmãos dela, um zonear que incluía até pular os muros do Estádio do Barro Preto,  para assistir jogo do Cruzeiro (vem daí minha paixão pelo time celeste) ou xeretar os carros de uma oficina vizinha, onde, aliás, conhecemos o mecânico Aguinaldo Timóteo, antes de ser o famoso cantor Aguinaldo Timóteo.

Eu fui bem louro quando era criança

Na verdade, não me recordo da festa em si ou dos presentes deste Natal… mas me lembro da estupefação de meus pais, antes dela, quando me perguntaram o que eu queria ganhar de ‘Papai Noel’ e eu pedi para meu pai comprar um anel para selar o noivado com a minha amada que, evidentemente, desconhecia esta paixão infantil (eu nasci romântico, mas a vida me tornou cético e irônico, às vezes cínico).

Minha mãe, depois da estupefação e das indagações ligeiramente irônicas, sentiu-se um tanto ou quanto orgulhosa do filho tão jovem e tão convicto de sua paixão, que, no afã de elogiar o rebento, contou meu inusitado pedido para a mãe da “futura noiva”. Ou seja: na noite de Natal, além dos sorrisos e olhares zombeteiros dos adultos e das gozações violentas dos amigos presentes – toda a vizinhança participava da festa – ganhei um anunciado e estalado beijo na bochecha da amada, muito lisonjeada por já ter um admirador tão apaixonado… Não me lembro se meus pais fizeram minha vontade e compraram o anel, mas tenho certeza que levei muitos e muitos anos para tirar o travo amargo da garganta e declarar algum sentimento para alguém.

Tenho certeza, também, que, desde então, passei a desprezar as tradições natalinas, algo que foi se consolidando à medida que me tornei frequentador compulsivo da biblioteca de meu pai. Passei a questionar o absurdo de um país tropical manter uma tradição típica de países invernais. Onde já se viu um povo flagelado pela seca nordestina e abrasado pelo sol de verão botar suas crianças pendurando meias felpudas de lã pela casa para esperar um Papai Noel barrigudo, de gorro vermelho e pompom branco, parar com seu trenó puxado por renas (rena? Que bicho é este?) e descer por uma chaminé onde não cabia nem seu braço esquerdo…! E que sentido tinha um país com variedade tão imensa de frutas inigualavelmente saborosas, encher a mesa de Natal com tâmaras, avelãs, nozes, castanhas em volta de um peru… coitado, morto de véspera!

Mas tradição é tradição… e um povo colonizado como o nosso prefere manter sua cultura europeia, mais sofisticada, a buscar e cultivar suas raízes nativas. Daí que, gostando ou não, voltei a participar de noites de natal, apesar de lembrar de poucas. Bem mais tarde, já casado e com filhas, me lembro dum Natal na casa de uma cunhada, no bairro de Gutierrez.

A visão que marcou foi de meu concunhado então, Eduardo, ligeiramente gordo, vestido de Papai Noel, subindo pelo lado de fora do terraço do edifício, onde a ceia estava servida. E dos rostos expectantes da criançada, num momento de silêncio absoluto, ouvindo  apenas o Ôh! Ôh! Ôh! que se aproximava… E dos olhos brilhantes quando ele apareceu, com sua barba branca, seu gorro vermelho e seu saco de brinquedos nas costas…!

Outras noites de Natal depois se tornaram repetitivas: a família da minha segunda mulher se reunia na casa de um dos filhos, inclusive a minha, com direito a amigo oculto, que era sorteado/escolhido uma  ou duas semanas antes. Tradicionalmente, o irmão mais velho recebia, de presente da mãe de criação, Bia, uma abóbora. Numa festa lá em casa, tentei manter a tradição após a morte dela,  mas a recordação, me pareceu, não foi muito bem aceita pela família  e morreu por aí também.

Nesses anos todos,  a festa de Natal em si não me dizia alguma coisa… mas me enternecia o entusiasmo de minha ex-mulher pela preparação da noite em si: o almoço em família antes, a preocupação com quem ia participar do amigo oculto, as tentativas de incluir mais parentes além de irmãos, cunhados e afins…

As festas natalinas tornaram-se repetitivas, como não podia deixar de ser…  com uma natural modificação ao longo de trinta anos: os filhos homens namorando firme ou já casados, chegavam mais tarde, depois do nascimento de Cristo, vez que passavam primeiro com a família das mulheres. Mas o amigo oculto persistiu, bem como sua distribuição antes da ceia. Uma coisa tradicional, sem novidades, mas emotiva e marcante, numa demonstração inequívoca de união de pessoas que, independentemente de suas diferenças ou afinidades, se amam acima de tudo. E, no final das contas, dane-se a tradição usada… o que importa é a renovação anual do carinho, da união e do amor familiar!

Uma bela noite de Natal para todos…! E que todos tenham a felicidade de curtir este Natal ao lado dos que amam…!

 

 

 

 

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