Sumpaulo

 

Desde que eu virei gente, eu tenho uma relação muito estranha com São Paulo. A terra natal dos meus pais, uma pequena cidade do sul de Minas, sempre esteve muito mais ligada a São Paulo que a Minas ou Belo Horizonte: compras de maior porte, trabalho mais bem remunerado, negócios, diversão/praia e problemas de saúde eram feitos/tratados em São José dos Campos, Santos, Ubatuba/ Caraguatatuba, Campinas e São Paulo capital.

Meus pais se mudaram para Belo Horizonte quando eu tinha uns seis anos. Quase todo ano, eles (ou só ela) retornavam ao sul de Minas para rever a família… e eu ia junto, claro! Depois dos 17, já trabalhando e “dono de meu nariz”, eu voltava a Brazópolis, a pequena cidade, com dois amigos de fé, para passar o Carnaval.

Eu tinha uma “ficante” lá (naquela época chamava namorada mesmo, mesmo que fosse só em temporada), Maga Patalógica (já falei dela aqui em outro texto), e a nossa rotina nos quatro dias de farra se resumia a isto: fazer excursões para namorar nas redondezas, jogar baralho, beber cerveja e tomar “bolinha”, para ficar aceso os quatro dias. As “bolinhas”, comprimidos excitantes (que não me lembro o nome) eram trazidos por um filho da terra, companheiro de farras, que trabalhava em São José dos Campos e “importava” o produto de Sumpaulo. Era um barato!

Muitos anos depois, já casado e com filhas, passei a frequentar São Paulo a serviço. A estatal em que eu trabalhava tinha poucas atividades no Estado, um entreposto de pesca em Santos e dois armazéns, em Itapeva e no bairro da Mooca, na capital, mas mantinha uma representação estadual lá, dada a importância política de São Paulo (politicamente, seria um desastre se as poucas unidades operacionais de São Paulo ficassem subordinadas ao Rio ou ao Paraná!).

Durante muitos anos, eu viajei pelo Brasil inteiro, capitais e interiores… e o único lugar em que fui assaltado na rua foi São Paulo. A representação da minha empresa ficava no centro. Toda vez que eu ia lá e tinha que ficar por lá, eu me hospedava num hotel da Rua Aurora. E ia à pé para a representação, que ficava após uma pracinha, onde o movimento de gente e carros era impressionante.

Um dia, atravessando uma rua após a praça, levei um soco nas costas que me fez ir tropicando até o meio da rua (o sinal estava aberto para mim) e fui socorrido por dois jovens solícitos, que me ajudaram a aprumar o corpo e atravessar a rua. Não vi quem me socou por trás e me preocupei, apenas, em agradecer os jovens… que me levaram tudo que eu tinha no bolso esquerdo do paletó: alguns papéis e uns 30 reais (cruzeiros? cruzados? o dinheiro da época). Eu tinha sido alertado pela Neide, secretária da representação, para espalhar documentos e dinheiro pelos bolsos do terno, pois este tipo de assalto era a coisa mais comum em Sumpaulo.

Foi só isto, mas ficou um trauma em relação à cidade. Principalmente porque o local mais violento do Brasil, segundo as imagens diárias da Rede Globo, era o Rio de Janeiro e, nas muitas andanças que tive pelo Rio, a serviço ou passeando, nunca sofri qualquer violência, por mais simples que fosse.

Apesar do trauma, há uns dois anos, por insistência da minha ex-mulher, fomos passar uma semana em São Paulo. Minha caçula estava de viagem marcada para o México e queria conhecer uma metrópole tão grande e confusa quanto a Cidade do México, onde ela ia morar.

Fomos diretos para Congonhas e pegamos um taxi até o hotel, próximo, em Vila Mariana, escolhido exatamente por isto: não ficava longe do aeroporto, tinha uma estação de metrô a 08 quarteirões e ficava ao lado do Parque do Ibirapuera. Na chegada, deixamos as malas no hotel e fomos pesquisar a redondeza, andando até a estação do metrô, que seria nosso ponto de partida para “descobrir” Sumpaulo.

E descobrimos, nos dias seguintes. O lado metrópole, o lado histórico, o lado  diversão, o lado compras… Todos incomparáveis, mesmo considerando o Rio de Janeiro a cidade maravilhosa cheia de encantos mil.  O metrô nos levando rápida e sem tumulto a qualquer ponto que queríamos (é claro que nunca o pegamos em hora de rush), a avenida Paulista e seus milionários e executivos andando apressados (porque tempo é dinheiro), a Ipiranga com São João, o MASP, os museus, o mercado, a melhor pizza do Brasil e a melhor coxinha do Brasil, a imensa Rua 25 de Março, a entupida Rua José Paulino…

Em 42 anos de Brasília, eu conheci todas as capitais brasileiras e umas poucas grandes cidades do mundo, Montevidéo, Buenos Aires, Dakar, Abidjan, Washington, Nova Iorque e Cidade do México. Não há diferenças significativas entre elas, sempre tumultuadas, sempre congestionadas, um burburinho constante com alguns pontos para reflexão e paz, excetuando as duas africanas, onde a miséria era muito palpável, visível em qualquer canto, mesmo à porta do Palácio Presidencial. O que realmente faz diferença é o povo. E nisto, mesmo cercada por uma violência sem sentido, o carioca é insuperável!

P.Ss. 1 – no dia de voltar para casa, minha ex-mulher e minha filha foram se despedir da São Paulo, que elas adoraram, no Ibirapuera. Saíram cedinho, alugaram bicicletas (eu não fui porque, infelizmente, não tenho mais pulmão para pedalar) no próprio parque e rodaram por ele inteiro, respirando o ar puro que não mais existe numa metrópole entupida de carros, curtindo o verde florido que desapareceu do resto da cidade sufocada de arranha-céus cinzas…

2 – Não sei se alguém que goste desta ideia de conhecer São Paulo em uma semana, repetindo meu roteiro, conseguirá fazer isto mais. O alcaide atual, um “gestor”, quer privatizar o Parque do Ibirapuera, coisa que nem um prefeito de Nova Iorque já propôs para o Central Park.

Elite subdesenvolvida com  povo passivo é f…*!

 

 

 

2 comentários em “Sumpaulo

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