A história não perdoa

Pessoas mais velhas como eu tem o hábito de repetir frases feitas, como se elas indicassem um conhecimento da verdade, baseado numa “longa experiência de vida”. Uma destas frases é “recordar é viver”. Pensei nisso ao viver, hoje, a mesma agitação de 24 anos atrás, antecedente à memorável sessão da Câmara que cassou o presidente Fernando Collor, por 441 votos dos 509 deputados presentes.

Só para lembrar: Collor, o jovem governador de Alagoas, lançou-se candidato por um partido minúsculo, PRN, e foi eleito em 1989, disputando contra figuras tradicionais da política, como Aureliano Chaves, Leonel Brizola, Mário Covas, Ulisses Guimarães, Paulo Maluf,  Ronaldo Caiado e Roberto Freire, além de dois novatos, Enéias (lembram-se do ‘Meu nome é Enéias!’?) e Lula, que não resistiu à campanha contrária da Globo (com direito a debate editado) e foi vencido no 2º turno.

aureliano brizola covas
maluf  ulisses

 

caiado    roberto freire     enéias

pc farias

A primeira medida dele após empossado foi uma paulada: para frear a inflação, confiscou o saldo das poupanças bancárias, permitindo que os aplicadores ficassem com apenas 50 mil cruzeiros disponíveis (hoje, cerca de R$ 6 mil), empobrecendo muita gente  da noite para o dia e criando traumas insuperáveis (minha mãe, com 96 anos, tem pavor de aplicações financeiras!)

A inflação não baixou (em 1991, ela já tinha subido de novo e estava em 400% ao ano. Quanto é que está hoje, mesmo?), o Brasil continuou patinando e, logo, começaram a surgir as denúncias de corrupção (sempre ela!), vinculando Collor ao tesoureiro de sua campanha, Paulo César Farias. Resultado: instalou-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito que, em agosto de 1992, apresentou um relatório atestando que 6,5 milhões de dólares tinham sido transferidos irregularmente para financiar gastos do presidente.

Em 29 de setembro, o impeachment foi aprovado na Câmara e, em 29 de dezembro, Collor renunciaCollor renunciou, tentando preservar seus direitos políticos, mas não adiantou, o Senado manteve seu julgamento, condenando-o, por 76 votos a 03, e afastando-o da política por 08 anos.

O Brasil passou a ser governado por Itamar Franco, o vice, assim como José Sarney, outro vice, de Tancredo Neves, que morrera antes de assumir, também governara antes de Collor. Ou seja, um vice também do PMDB, irá governar o Brasil novamente, caso o impeachment seja aprovado na Câmara e no Senado (Sarney era do PFL, mas virou peemedebista para ser vice de Tancredo e Itamar Franco sempre foi do PMDB, antes e depois de Collor).

Eu falei em recordar é viver, e recordando o processo de impeachment do Collor, eu revivo algumas cenas tão presentes no dia de hoje: a pressão que a grande imprensa fazia contra Collor (ele desagradara as Organizações Globo com as medidas econômicas, que afetaram, também, banqueiros e empresários, que passaram a hostilizá-lo) é a mesma que faz hoje sobre Dilma… a grande diferença é que hoje existe Internet; o jogo de informação/desinformação jogado pelos partidos e repercutido pela grande imprensa, sempre desfavorável ao governo, é mais ou menos compensado nas redes sociais, onde há uma briga equilibrada, o que dificulta a predominância do interesse da oposição e das Organizações Globo.

Mas, há algo bem diferente de 24 anos atrás, o que torna Fora Collor 2o processo atual menos romântico, cheio de jovens caras pintadas  pelas ruas: a Câmara Federal é presidida por um “Dom Corleone tropical” que usa todas as armas que lhe são facultadas pela presidência da Casa, para dirigir o processo de impeachment. E aí, nem a minha longa experiência de vida consegue explicar algumas coisas:

  1. por 10 votos a 0, o Supremo Tribunal Federal acolheu denúncia do procurador geral da República, de corrupção passiva e lavagem de dinheiro cometidas por Eduardo Cunha. Esta decisão é do dia 03 de março e até agora, mais de 40 dias depois, nada aconteceu com o denunciado, que continua presidindo a Câmara com um único objetivo: derrubar a presidenta;
  2. o vice presidente da República, que é co-responsável pela direção do país há 05 anos e meio, conduz o seu partido a romper com a presidenta, retirando-lhe o apoio político (que nunca foi unânime, já que o partido é o PMDB) e, de sua residência oficial, o Palácio do Jaburu, conspira dia e noite para derrubá-la… Sem renunciar à vice-presidência, cargo para o qual foi eleito junto com ela, o que é, no mínimo, de um mal caratismo sem tamanho (sei que políticos não dão muito valor a caráter, mas que é chato imaginar um possível presidente da República sem nenhum caráter, lá isto é…);
  3. o Conselho de Ética da Câmara, por obra e graça de manobras de Eduardo Cunha e seus amigos da Mesa Diretora, continua a passo de cágado na condução do julgamento de Sua Excelência, um processo que começou ano passado e que, tudo indiccerca na esplanadaa, conforme notícia de hoje (substituição de um deputado da Comissão), terminará com a absolvição do acusado;
  4. com Collor, a unanimidade pelo impeachment era tão grande que não houve qualquer preocupação maior com a segurança da Esplanada, o contrário de hoje, em que o governador socialista (?) de Brasília mandou instalar um “muro” para separar o ódio instilado na população…                                                                                                                                                                              E o pior desta história:  se o impeachment da presidenta for aprovado, o Brasil será governado por uma dupla dinâmica: Michel Temer, o vice traidor, e Eduardo Cunha, o poderoso chefão. Que Deus nos proteja!                                                                                                                                         P.S. A respeito do título, a história não perdoa: o impeachment de Collor precisava de 336 votos para ser aprovado na Câmara. No momento em que o 336° ia ser proferido, houve um momento televisivo provavelmente combinado antes. As câmaras de televisão deram um close naquele deputado ao pé do microfone, houve um silêncio repentino, e ele, cercado de dezenas de outros e com dramaticidade teatral, gritou: “Pelo bem do Brasil, voto SIM!”, que foi seguido por um urro do plenário, com os deputados pulando, se abraçando, dando socos no ar e agitando bandeiras do Brasil! No dia seguinte, o deputado deu entrevistas à imprensa em geral, falou da sua emoção, do seu regozijo, descreveu sua dúvida em dizer algumas palavras ou só dizer sim…  Alguém se lembra do nome do deputado, que, aliás, nunca mais foi eleito? É um destes aí… sabe dizer qual?paulo romano

 

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