Ontem e hoje…

Vira e mexe a gente recebe, pelas redes sociais, uns posts com recordações dos anos 60/70, afirmando “como eram bons aqueles tempos!!!” Acredito que isto é postado por gente que, como eu, nasceu na década de 40 e, já descendo a montanha da vida, se agarra às lembranças, já que o dia-a-dia, agora, não traz mais surpresas a serem vividas ou desafios a serem vencidos, a não ser a tentativa de viver um pouco mais, antes que o inevitável aconteça.

De qualquer modo, é uma sensação gostosa, apesar de melancólica, relembrar a alegria de jogar finca ou ganhar a figurinha difícil no ‘bafo’, ouvir músicas que faziam a gente se aproximar das garotas nos bailes de salão, sentir na boca o gosto de um cuba libre tomado com a namoradinha e aí, animado, roubar um beijo, que tinha o sabor inebriante das coisas proibidas (ponto para o ontem, porque o beijo, hoje, é tão corriqueiro e inconseqüente que nem sensibiliza mais  o desejo).

Por melhor que tenha sido nossa infância e adolescência, no entanto, não dá para comparar o ontem com o hoje. Ontem, as pessoas caminhavam de acordo com um roteiro pré-estabelecido, em função da condição social, do gênero, da raça. Hoje, o preconceito persiste, mas o padrão é desconstruído a todo momento e há muitos roteiros a escolha, bastando se aceitar e caminhar de acordo com a sua vontade. Há amarras? Claro! Há barreiras? Óbvio! A vida não teria qualquer graça se fosse uma estrada reta a se perder no infinito.

Reconheço, porém, que havia determinados princípios no passado que esmaeceram no presente. Educação, respeito, ética, por exemplos.

Meus pais me criaram com padrões rígidos de educação e respeito… tanto que, quando criança, eu não chamava os mais velhos de você, não entrava na casa dos outros, mesmo parentes e amigos, sem ser convidado, não fazia refeições sem lavar as mãos antes, não comia de boca aberta, não falava palavrões, não coçava o saco e nem  enfiava o dedo no nariz perto dos outros, não berrava para chamar alguém, não saia sem avisar onde ia… estes e tantos outros nãos que, se de um lado tolhiam minha liberdade de ser o bicho que toda criança é, de outro me ensinaram a respeitar a liberdade dos outros (outro ponto para ontem, porque a liberdade com que as crianças são criadas hoje não estabelece limites, tornando-as mal criadas e desrespeitosas).

Mais velho, começando a enfrentar as complicações da vida, eles me ensinaram ética. Lembro nitidamente de uma conversa à mesa do jantar:  recém retornados de um congresso/ excursão à Europa e Oriente Médio, comentavam curiosidades da viagem e minha mãe se mostrava indignada com um competente médico que participara da comitiva: “Que ética pode ter alguém que age como ele, ‘Stião’? – ela se referia ao fato de que o tal médico   descobrira que num telefone público perto do hotel em Paris, bastava você enfiar um palito de fósforo no lugar da moeda para conseguir falar horas com o Brasil, sem pagar qualquer tostão.

E meu pai,  que não era de muito falar, quanto mais comentar a vida de outrem: “Não misture as coisas, Vera, ele pode ser absolutamente ético como médico, e é, pelo que sei, e não ter moral rígida, ser um safado como pessoa, como a gente viu na viagem… e não apenas nesta enganação do telefone! Não lembra aquela história que ele contou, rindo, de ter passado a perna num vendedor de cachecol? Um médico bem posto na vida contando vantagem por ter enganado um simples vendedor inglês?” Diante de minha cara interrogativa, meu pai disse o que sempre dizia: “vá ao dicionário… entenda o que é ética e o que é moral! E lá fui eu atrás do Caldas Aulete, um imenso dicionário com cinco volumes bem pesados (ponto para o hoje: bastariam alguns toques no celular e eu tiraria minhas dúvidas na hora!) .

Mais tarde, no Curso de Jornalismo, uma das matérias básicas, logo no primeiro ano, era exatamente Ética. Tinha tudo para ser uma aula chata, de muita filosofice, de muita discussão empírica, algo indesejável para jovens que tinham a doce ilusão da vida aventureira que nos esperava como jornalistas. Não foi, graças ao professor, Jacques Brandão, uma figura à altura das Minas Gerais de tantos cronistas, poetas e cineastas, que fez a cabeça de toda aquela geração de jornalistas. Dizia ele, simples e definitivamente: jornalismo sem ética é lixo!

É nisto que eu penso quando descubro, na Internet, a tentativa da Folhaweb (da Folha de São Paulo) de enganar seus leitores, quando noticiou esta última manifestação promovida por movimentos ditos democráticos (MBL, Vem Pra Rua, Revoltados On Line e que tais), que foi um retumbante fracasso.  Sob o insosso título “Ato da Paulista inclui protesto contra voto em lista fechada”, os editores da Folhaweb divulgaram uma mentira ao ilustrar a matéria com uma foto cheia de manifestantes tirada em 2016, ao invés da foto real do ato, que estava absolutamente vazio, como foi comprovado por um blog no dia seguinte (outro ponto para o hoje: a grande imprensa não é mais a única dona da verdade!), como pode ser revisto nas duas fotos aí de baixo.

Como se observa, até num simples texto como este, há um empate entre ontem e hoje. Porque o hoje de cada um, feliz ou infeliz, revoltado ou pacificado, glorioso ou desgraçado, é feito dos tantos ‘ontens’ já vividos… Ou, como escreveu Paulo Leminski, um grande poeta curitibano, “haja hoje para tanto ontem”.

A foto de 2016 publicada como se fosse na manifestação de março de 2017

A foto real, da manifestação de março de 2017, não publicada pela Folhaweb

3 comentários em “Ontem e hoje…

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