De festas e farras I

Viver é algo fantástico! Você pode estar lá no fundo do poço, achando tudo uma merda, apesar de ser Carnaval, quando de repente, não mais que de repente, uma frase num post provavelmente despretensioso, acende uma luz e mostra uma escada, comprida, muito comprida mas, de qualquer modo, uma escada para longe do fundo do poço…

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Lá estava eu, distante do meu blog há muito tempo, me preparando para uma experiência inusitada: passar os seis dias de folias momescas sentado no sofá da sala assistindo filmes e séries e deitado na cama vendo escolas de samba, trios elétricos, blocos de rua, coxas, peitos, bundas, tapas-sexo que nada tapam, orgias em geral, enfim, ou dormindo, claro, quando um post, certamente bem intencionado, me desejou “… bom carnaval, ou melhor, bom descanso, já que não curte carnaval”.

 

De festas e farras I - 2A frase ficou martelando na minha cabeça: você não curte carnaval…! Como não? Exageros mercadológicos à parte, carnaval é festa… é alegria… é liberdade de se expressar… é uma das características mais fortes da personalidade do povo brasileiro! E eu, mesmo sendo um tímido crônico, sempre gostei e participei desta liberdade, desta liberalidade, desta libertinagem, nesta época, de um povo que vive 360 dias por ano aprisionado a convenções e barreiras religiosas, sociais e econômicas.

Uma das boas coisas de se chegar à minha idade ainda lúcido é ter a capacidade de lembrar as milhares de coisas, boas ou más, mas principalmente boas, que fiz ao longo da vida. Organizar, participar, viver festas, carnavalescas ou não, fazem parte das minhas boas lembranças, que foram despertadas pela frase postada.

Como a primeira festa que fui, justamente um carnaval, na pequena cidade natal de meus pais… Eu tinha uns 05/06 anos e fui mandado por minha mãe para ir buscar grampos de cabelo numa lojinha que ficava pertinho do clube social das famílias gradas da cidade. Acontecia a matinê carnavalesca – para crianças, dezenas de crianças fantasiadas de piratas, super-homens, brancas de neve, palhaços, coelhinhos e sapinhos, que pulavam ao som de músicas de salão e marchinhas de carnaval. De festas e farras I - 4

Apesar de minha timidez crônica, passei da loja e fui para o salão. Eu era branco e, sabidamente, filho do médico da cidade… ou seja, não fui barrado na entrada. E entrei na folia! Sem mãe, sem pai, sem companhia qualquer… até minha mãe, desesperada com a minha demora, descobrir onde eu estava e ir me buscar, enraivecida e envaidecida pela minha “travessura”. Brazópolis, a cidadezinha de meus pais, me marcou profundamente. Saímos de lá, por questões políticas, logo depois deste carnaval, mudando para Belo Horizonte, onde cresci.De festas e farras I - 6

Mas, além de para lá voltar em férias escolares, foi para lá que escolhi ir quando, já trabalhando e ganhando dinheiro, resolvi  pular meus carnavais na mocidade. Eu e mais dois amigos fraternos…

A gente saia às 10 horas da noite e chegava às 05 horas da manhã numa cidade próxima, Itajubá, onde algum companheiro aborígene ia nos buscar. Passávamos na casa da minha Tia Anita para dizer “oi, chegamos” e deixar as mochilas e íamos para o Bar do Gustavo, que ficava no que tinha sido o quintal da minha casa quando moramos lá, onde jogávamos baralho e bebíamos cerveja até a hora de “forrar o estômago”.   Almoçávamos a deliciosa comida da minha tia, dormíamos um pouco e voltávamos para o bar, para jogar, tomar cerveja e uns comprimidos estimulantes que o Gato, um velho amigo nativo que trabalhava em São José dos Campos, trazia (e vendia baratinho… (Como ele dizia, aliás: “É um barato, uai… e bem baratim!).

Lá pelas 9, voltávamos para casa, tomávamos banho e partíamos para o clube, para encontrar as namoradas –  eu tinha uma “ficante”, Maga Patalógica, que encontrava só no carnaval, mas com quem ficava os

A pele muito branca, o cabelo bem preto escorrido até o meio das costas e o nariz afilado... o apelido foi inevitável!

A pele muito branca, o cabelo bem preto escorrido até o meio das costas e o nariz afilado… o apelido foi inevitável!

04 dias que passava lá.

Esta farra aconteceu durante 04 anos. E aqueles carnavais significavam beber, pular, tomar ‘De festas e farras I - 8bolinha’, namorar, fazer passeios a pé pelas redondezas, em fazendas de pais de amigos ou a cachoeiras de Luminoza, um distrito da cidade, ou comer pamonha na Estação Dias, outro distrito próximo. Na última vez que fui, na viagem de ônibus de ida, conheci minha primeira mulher… E não fui mais!

A partir de então, carnavais, festas juninas, bailes e “butecadas” tornaram-se… familiares!  A faculdade, os estágios, ganhar a cerveja e o cigarro de cada dia, o casamento, as filhas…! As festas, cada vez mais familiares, murcharam: uma terça de Carnaval no Iate Clube aqui, um jantar dançante com show de cantor famoso ali, as recepções no casamento de um colega de trabalho, as festas juninas da igreja ou da escola das crianças. E as muitas e muitas festas e festinhas de aniversário de parentes, amigos e das filhas.

A rotina, inevitável, matou a paixão… que não tinha virado amor. Cada um para o seu lado, as filhas morando com a mãe, aluguei, junto com um colega na mesma situação, uma casa no Lago Norte. Durante algum tempo, os fins de semana foram bem comportadDe festas e farras I - 10os: as filhas, minhas e dele, iam para lá e tínhamos sábados e domingos inteiramente dedicados a elas. Não demorou muito, minhas filhas mudaram-se para o Rio, e as festas tomaram conta dos dias e noites, motivados por qualquer coisinha: é aniversário de Fulana? Festa na casa do Leo… É despedida de solteiro de Sicrano? Festa na casa do Léo… É reunião de Delegados Estaduais da empresa em Brasília? Festa na casa do Leo… É fim de semana sem programação? Festa na casa do Leo…!

E havia os carnavais que precisavam ser vividos em outras paragens. Como em Salvador, quando os trios elétricos ainda não eram viDe festas e farras I - 11trinas comerciais, com abadás, cordões de isolamento e transmissão televisiva global, eram só Dodô e Osmar  puxando uma multidão de foliões pelas ruas da cidade – para onde fui com um colega de serviço. Ficamos num hotel no centro velho de Salvador, preparados para acompanhar o trio elétrico: eu de bermuda, camisa colorida e mochila com duas garrafas de uísque e copo, esperando comprar água mineral e gelo na caminhada…  Terminei a caminhada na manhã do dia seguinte sentado no meio-fio e encostado num poste, com meu amigo no mesmo meio-fio, mas escornado no colo de uma baiana duas vezes mais gorda que ele…

Ou como o de São João Del Rei, que era o melhor carnaval de rua do interioDe festas e farras I - 13r das minhas Gerais. Que eu fui e não vi! Porque me levaram para um carnaval particular numa fazenda… e por lá fiquei os três dias, inclusive tomando leite tirado da vaca na hora ao raiar do dia, café preto e biscoito de polvilho, para rebater a uiscada e pegar no sono até a hora do almoço.

Como eu disse, e repito, viver é algo fantástico! Já beirando os 40 anos, vivia nesta farra toda e de repente, não mais que de repente, lá estava eu casado de novo! Com uma jovem e doce mulher, que também adorava festas e carnavais… (continua)

 

 

 

4 comentários em “De festas e farras I

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