Uma luta permanente

Eu sou, em certa medida, um sobrevivente da ditadura. Não no sentido físico, igual aqueles tantos jovens da minha geração, alguns amigos bem próximos até, que foram presos e torturados nos porões do DOPS ou nas masmorras do DOI-CODI ou tiveram que asilar-se para não serem Uma luta permanente 1mortos e permanecerem desaparecidos até hoje.

Sinto que sou um sobrevivente mental… Vivi dos 16 aos 37 anos – fiz o ginasial, a faculdade, nUma luta permanente 2amorei, casei e tive duas filhas sob uma ditadura que, algumas vezes, se fantasiava de democracia, para eleger deputados e senadores, e não perdi minha fé na democracia como forma mais salutar de se conviver em uma sociedade plural, a forma mais plausível de tornar menos desigual esta sociedade, mesmo que, para isto, sejam necessárias eleições e mais eleições.

Estou vivendo, agora, 41 anos de democracia , que começou consentida pelos militares em 1975, e tornou-se uma democracia real a partir da Constituição-Cidadã de 1988 e que, apesar de frágil, vem aguentando os solavancos e as tentativas de retrocesso perpetradas pelos etenos donos do poder, a última, quase consolidada, este impeachment fajuto de uma presidenta legitimamente eleita por 54 milhões de Uma luta permanente 3votos.

Mas esta é outra história, que terá repercussões e conseqüências a médio e longo prazos, sobre asUma luta permanente 4 quais só meus filhos e netos poderão escrever. Minha história atual tem a ver com a baita frustração que sinto hoje em relação ao processo democrático, pela qual tanto lutei. Uma frustração que nada tem a ver com a situação nacional, mas com o tipo de pessoas que nós, brasilienses por nascimento ou adoção, temos elegido para nos representar, no Executivo e no Legislativo.

Não vou cansar os olhos dos que me lêem lembrando figurinhas carimbadas que ocuparam nosso executivo, como o tetra governadUma luta permanente 11or Joaquim Roriz ou o receptor de maços de dinheiro José Roberto Arruda, mesmo porque eles se repetem como nossos representantes no Senado, de onde foram escorraçados por cometimento de crimes pelos quais nunca foram punidos judicialmente.  Nem com aqueles numerosos mercadores de interesses, favores e cargos que a população da capital elege para sua Câmara Distrital, uma vergonha  que se repete a cada quatro anos, mudando-se ou não os nomes dos eleitos – com as honrosas exceções que confirmam a regra.

Vou me deter na Câmara Alta, teoricamente o lugar onde costumam se assentar os mais representativos personagens de uma Unidade da Federação, suas excelências os senadores da República.  Desde que passou a ter direito de eleger três senadores, pela Emenda à Constituição nº 25/1985, a população do Distrito Federal já teve 17 representantes exercendo a senatoria, dos quais 05 eram suplentes sem votos diretos, 04 doas quais assumindo o cargo por renúncia dos titulares.Uma luta permanente 9

E quem eram os titulares?

Luiz Estevão, um dos principais empresários de Brasília, que teve a subida honra de ser o primeiro senador da República cassado por seus pares (52 votos), em 2000, por quebra de decoro parlamentar, comprovadamente envolvido no esquema de desvio de verbas das obras do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo, junto com o famoso juiz Lalau. Este ano, 16 anos depois, centenas de recursos protelatórios conseguidos na Justiça, graças ao dinheiroUma luta permanente 12 que dispõe, foi finalmente preso na Papuda;

José Roberto Arruda, que era líder do governo FHC quando se envolveu com o escândalo de adulteração do painel de votação do Senado, em conluio com Antônio Carlos Magalhães, o famoso Toninho Malvadeza, sendo obrigado a renunciar ao mandato para não ser cassado. Como ainda não havia ficha limpa à época, foi eleito governador do DF em 2006, renunciando em 2010, totalmente envolvido na Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal, tendo tido a subida honra também, pouco antes, de ser o primeiro governador  preso ainda no exercício do cargo. Apesar disso, continua agUma luta permanente 13uardando, livre, leve e solto, o pronunciamento final da Justiça em relação às suas falcatruas, também conhecidas como mensalão do DEM;

Paulo Octávio, talvez o maior empreiteiro de Brasília, que foi eleito senador em 2002, renunciando ao cargo em 2006, quando se elegeu vice-governador de José Roberto Arruda, e foi pego na mesma Operação Caixa de Pandora, como ativo participante do mensalão do DEM. Como seu companheiro de governo, continua aguardando a lenta ação da Justiça que, como no caso do mensalão do PSDB, vai permanecer rolando até todos os implicados completarem 70 anos e tornarem-se inimputáveis para chegar ao fim e ser arquivada;

Joaquim Roriz, tetra governador do Distrito Federal, a primeira nomeado pelo presidente Sarney e as demais eleito diretamente por parte da população que o Uma luta permanente 10adora fanaticamente, seja pelas benesses que propiciou à larga para o funcionalismo distrital, seja pela farta distribuição gratuita de lotes na periferia de Brasília, criando inúmeras cidades-satélites, o que provocou o ódio figadal que lhe devota outra parte da população. Mandando tanto tempo na política e na administração candanga, tem um monte de acusações de corrupção nas costas mas, curiosamente, só sofreu um revés político quando se meteu entre os pais da pátria, eleito que foi para o Senado da República em 2006. Assumindo em fevereiro de 2007, renunciou 06 meses depois, envolvido no escândalo do BRB – uma história cabulosa de um cheque para compra de uma vaca premiada, até hoje não esclarecida e punida, como soe acontecer com políticos conservadores.Uma luta permanente 15

E quem foram os suplentes que se tornaram titulares?

Walmir Amaral, outro poderoso empresário de Brasília, assumiu a senatoria com a cassação de Luiz Estevão, terminando seu mandato, apesar de ser alvo de uma série de acusações de negócios considerados irregulares e fraudulentos. À época, corriam 65 processos de natureza cível, trabalhista e da fazenda pública no TJDF, além de outros dois, de cobranças de taxas movidas pelo INSS, no TRF.  Devem continuar correndo, porque a Justiça do DF decretou a falência do grupo empresarial do ex-senador;

Gim Argelo, um corretor de imóveis de Brasília que enriqueceu rapidamente desde que entrou para a política como deputado distrUma luta permanente 16ital em 1998; onze anos depois, segundo a Wikkipedia, era dono de um patrimônio calculado em um bilhão de reais. Assumiu a senatoria quando Joaquim Roriz renunciou em 2007, terminando seu mandato, apesar de responder a inquérito no STF, por apropriação indébita, peculatocorrupção passiva e lavagem de dinheiro. Atualmente, encontra-sepreso preventivamente, por envolvimento em crimes investigados na Operação Vitória de Pirro, 28 ª fase da Lava Jato;

Hélio José, um eletricitário que fundou o PT de Brasília e, por obra das composições políticas, foi suplente do senador Rodrigo Rollemberg em 2010, assumindo o cargo quando este foi eleito governador em 2014. Titular, mudouBrasilia divulga 4 para o PMDB e declarou-se indeciso quanto ao seu voto no impeachment, sendo procurado imediatamente pelo governo interino, que ofereceu-lhe cargos federais para tornar-se decidido. É um dos assuntos do momento nas redes sociais, desde que declarou alto e bom som (e gravado), numa reunião com funcionários da SPU-DF, para apresentar seu indicado para a superintendência do órgão: :  “Isso aqui (a SPU/DF) é nosso. Isso aqui eu ponho quem eu quiser aqui. A melancia que eu quiser aqui eu vou colocar!”

Por fim, um senador que não está sendo acusado de nenhuma falcatrua, mas demonstrou uma absoluta falta de caráter nestes últimos tempos: Cristovam Buarque, um intelectual reconhecido pela sua luta incansável pela educação no país. Eleito e reeleito, uma vez pelo PT e outra pelo PDT, exerce o cargo hoje abrigado no PPS. E, apesar de todo um passado dedicado à luta pela democracia, aliou-se ao que de pior existe na política brasileira,Uma luta permanente 18 o PMDB que assumiu o poder interinamente, para derrubar de vez uma presidenta eleita por 54 milhões de votos.  Em entrevista à Folha de São Paulo de hoje, 09/08, Sua Excelência mostra bem a maleabilidade de seu caráter senatorial, ao confirmar seu voto favorável ao impeachment: “…o senador Antonio Anastasia … terminou seu parecer demonstrando que houve crime. Eu vejo até que foi um crime pequeno, mas foi um crime.  Dizendo não crer que o interino também passe pelo mesmo processo, explicou que “é muito raro ter dois terços contra quem está no Uma luta permanente 19poder. A presidente Dilma só conseguiu isso porque não soube fazer o trabalho parlamentar. Faltou ter o respeito ao Parlamento. Ao desrespeitar, paga-se o preço.”   Como se vê, o paladino da educação no Brasil aprendeu sua lição política direitinho: só grandes crimes são perdoáveis…!

Pensando bem, mesmo que me pareça frustrante no momento, mesmo entendendo o real significado das palavras do senador Uma luta permanente 21Cristovam (algo assim como  ‘nós, os políticos, somos a Força… Quem nos obedece, como faz o Michel, não corre qualquer risco…!’), até que o processo democrático ainda é melhor que as possíveis outras formas de governo já surgidas até hoje. Afinal,  das 17 figuras que ocuparam a senatoria do DF até hoje, mais de 50% (09) exerceram seus cargos com dignidade, sendo que 03 deles, pelo menos (Pompeu de Souza, Lauro Campos e José Antônio Reguffe), poUma luta permanente 22dem ser considerados legítimos representantes do povo e não das classes dominantes nem das próprias ambições políticas.

Frustrado, desgostoso, temeroso até, tenho uma única certeza nestes tempos nebulosos: nosso direito à democracia é inalienável… e a luta por ela, permanente!

 

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